‘A tempestade perfeita’ e o engajamento do paciente

O empoderamento dos pacientes através da tecnologia criou uma tempestade perfeita. A expressão é do israelense Ronen Rozenblum, diretor do Brigham and Women’s Hospital e professor de Harvard, que esteve recentemente no Brasil para explicar como o modelo centrado no paciente pode ser implementado no país.

Ronen Rozenblum, diretor do Brigham and Women’s Hospital e professor de Harvard defende que as redes sociais e APPS estão empoderando o paciente

CUIDADOS CENTRADOS NO PACIENTE

Uma das grandes tendências do setor de healthcare mundial é o engajamento do paciente, algo fundamental para aquela que é considerada a lógica do futuro da saúde: os cuidados centrados no paciente. Estados Unidos, Reino Unido e Austrália são, atualmente, os países em que a sua implementação está mais avançada. O Brasil é o alvo seguinte. Tenho uma firme convicção de que o país tem condições para implementar o modelo, basta criar políticas e estabelecer diretrizes para sua aplicação, quer em instituições públicas, quer em instituições privadas.

Mas é necessário, como em qualquer outro país, definir políticas e linhas orientadoras, compreender termos e conceitos de centros de cuidados ao paciente e saber a importância dessa dimensão de qualidade no cuidado, além de compreender o papel dos médicos nesse tipo de centro.

EMPODERAMENTO DO PACIENTE

O envolvimento mais profundo do paciente e dos familiares é uma das alterações fundamentais para atingir melhores resultados e conseguir qualidade superior na prestação de serviços de saúde. O Centro de Cuidados ao Paciente do Brigham and Women’s Hospital serviu de balão de ensaio e conseguimos atingir resultados positivos. Empoderar o paciente e seus familiares se traduziu em melhores resultados clínicos, maior eficiência nos serviços de saúde e, consequentemente, em efeitos positivos na área financeira da instituição.

AUMENTANDO O LUCRO

Atualmente, existem cada vez mais dados baseados em relatórios e estudos que mostram que assistência centrada no paciente tem impacto positivo na qualidade da assistência e segurança. A um nível macro, sabemos que a qualidade assistencial e a assistência centrada no paciente estão associadas a menos casos de negligência médica, menos processos legais, até melhorando a situação econômica da organização. Tudo isso significa melhores resultados financeiros.

É NECESSÁRIO CRIAR UMA CULTURA

Para melhorar a experiência do paciente, primeiro temos que entender que precisamos melhorar a comunicação entre o pessoal clínico e os pacientes. Temos que envolver os pacientes na assistência e os clínicos e os provedores devem ser prestativos e atentos às necessidades, preocupações e expectativas dos pacientes. Se queremos mesmo melhorar a experiência do paciente e incorporar os pacientes, temos que focar nestes fatores.

O nível seguinte é criar uma cultura. Criar uma cultura que suporte assistência centrada no paciente. Isso requer todo um processo e o Brasil tem que percorrer um caminho de paciência. É claro que vai necessitar de um processo, não é algo que mude de um dia para o outro. Leva tempo mudar o paradigma.

DA MODA À PRÁTICA

Os cuidados centrados no paciente são quase uma moda, todos falam nisso, mas a realidade é que a saúde ainda está focada no provedor e não no paciente. Então, o que é necessário alterar? Simples: temos que mudar o estado de espírito dos clínicos.

Segundo estudos realizados por mim e pela minha equipe, a maioria dos médicos e enfermeiros consideram muito importante ter cuidados centrados no paciente e melhorar a experiência do paciente, no entanto, o que também descobrimos foi que apenas 16% dos inquiridos incorporam esse modelo ou tentam melhorar a experiência do paciente. As duas razões que os estudos encontraram são a fraca sensibilização de enfermeiros e médicos e a falta de treinamento. Então, há que procurar formas de aumentar a sensibilização do pessoal clínico e também de o treinar para que saiba como incorporar e incluir os pacientes e melhorar a experiência do paciente.

MAIS PODER PARA O PACIENTE, MENOS PODER PARA O MÉDICO

O que ainda sucede com alguns médicos é o receio da perda de poder. Isso é uma realidade em certos países e certas culturas. Mas a tendência dos cuidados centrados no paciente está se espalhando por todo o globo. Quer os médicos gostem ou não, eles terão que aprender a lidar com essa tendência e aceitar que pacientes e clientes têm cada vez mais poder. Primeiro, porque existe cada vez mais informação disponível na internet ou em apps, e isso vai empoderando os pacientes. Portanto, os médicos têm que estar preparados para essa mudança.

CRIAR POLÍTICAS E NORMAS

Num nível mais elevado, mais voltado para as políticas, países que apoiam assistência centrada no paciente e engagamento do paciente, como Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, precisam criar políticas e diretrizes para melhorar experiência do paciente. É claro que alguns médicos estão preocupados com a forma como o paciente está sendo empoderado, mas quando entenderem que ao criarem uma parceria — e eu adoro esta palavra, mais até do que empoderamento -, ao criarem uma verdadeira parceria, estão reforçando a qualidade da assistência e a segurança do paciente. Então, o médico vai ter melhores resultados e vai tornar os processos mais eficientes. No final das contas, os médicos vão entender que tudo isto vai ser melhor para eles. mas temos que olhar para a realidade e reconhecer que esse ponto ainda não foi atingido. Alguns médicos ainda exibem alguma apreensão e nós temos trabalho a fazer para os treinar e lhes levar mais informação. Com mais informação e treinamento conseguiremos chegar lá.

DIFERENTES REALIDADES

A lógica brasileira ainda é bem diferente da norte-americana, onde existe uma obrigatoriedade de recolhimento e tratamento de dados de avaliação dos hospitais por parte dos pacientes, ou da britânica, em que o programa UK NHS Choices se encarrega de recolher as apreciações dos pacientes, mas existem condições para implementar o programa nos hospitais e instituições de saúde nacionais, públicos e privados.

Embora as ferramentas não existam no Brasil, o fenômeno tecnológico da internet, redes sociais e apps está mostrando a força dos consumidores, em geral, e dos pacientes, em particular. Hoje em dia, os consumidores usam sites, redes sociais e apps para descrever e classificar suas experiências com bens e serviços. Revoluções tiveram recentemente início na web, basta relembrar o fenômeno da Primavera Árabe, em 2010, e toda a mobilização feita através de redes sociais. É impensável achar que a saúde vai conseguir escapar desta avalanche digital de avaliação de satisfação e partilha de opiniões dos pacientes. O que o paciente pensa já tem um grande impacto no comportamento e nas decisões das organizações de saúde e terá uma influência ainda maior no futuro.

A IMPORTÂNCIA DOS ESTUDOS

Existem resultados contraditórios, de acordo com um estudo que tentou avaliar os efeitos da HIT na satisfação do cliente, por isso posso revelar que estamos realizando um grande estudo para avaliar e classificar apps para iPhone e Android e a generalidade dos smartphones. São mais de quatro mil apps que ajudam os pacientes na gestão da alimentação e nutrição, doenças crônicas, monitoramento do peso, calorias. O que tentamos avaliar é, primeiramente, é a qualidade destes apps. Depois, como existe tanta informação nas redes sociais, mais do que ver qual é positiva e qual é negativa, é ver qual devemos considerar para decidir quais apps devemos baixar. O que tentamos fazer é construir um conjunto de recomendações e orientações sobre uso de redes sociais e apps de forma a garantir que terão uma utilização positiva.

É NECESSÁRIO OUVIR TODOS

As tecnologias de informação e redes sociais são ferramentas fantásticas para o setor de healthcare e para levar o setor para outra dimensão ao envolver ativamente o paciente e empoderando o paciente, mas deveremos ser muito cuidadosos quanto aos apps que recomendamos. Os apps devem ser desenvolvidos tendo em conta o médicos, prestadores e pacientes. Todos devem ser ouvidos no processo de desenvolvimento, mas também no processo de controle de qualidade. É essa a grande falha que ainda hoje está existindo. Precisamos incentivar esse empoderamento do paciente, pois é para ele que os apps são desenvolvidos. Ouvir o paciente leva a que se possa melhorar os resultados, faz com que se possa obter os resultados pretendidos e que se possa identificar e corrigir o que de menos positivo possa estar sendo feito ou possa estar ocorrendo.

AS LIMITAÇÕES DOS APPS

Outra preocupação está ligada ao foco dos apps. A grande questão que existe com a indústria de tecnologia é a limitação dos apps. Falta garantir que eles sejam concebidos para um determinado tipo de paciente. Acontece que, embora os apps sejam criados e desenvolvidos para casos específicos como diabetes ou doenças crônicas, certas condições médicas são normais em pacientes mais idosos ou com menor rendimento. Então aí temos um problema. Sabemos que a internet, redes sociais e apps são usados principalmente por um público mais jovem, mais escolarizado ou com mais poder econômico, portanto é preciso criar formas de fazer chegar a todos os pacientes, de forma universal, as vantagens das tecnologias de informação da saúde. E segurança do paciente inclui segurança dos seus dados médicos, ou seja, garantia da privacidade dos mesmos. É necessário que as empresas de tecnologia garantam que os dados fornecidos pelos pacientes sejam protegidos e impeçam a partilha de dados clínicos sem autorização do paciente. Isso é algo muito particular dos apps mas requer os mesmos cuidados quando falamos da internet e do uso dos portais para consulta de informação pessoal

O INGREDIENTE SECRETO

O envolvimento e empoderamento do paciente é, claramente, uma área-chave para inovação no setor de saúde e na indústria de HIT associada durante a próxima década. Muitos consideram que o envolvimento do paciente é o “ingrediente secreto” para garantir o sucesso futuro e dois cenários se afiguram envolvendo o mercado e as políticas: ou os grandes fornecedores ficam perdidos no meio do furacão de ideias e necessidades e não conseguem dar resposta às pretensões, abrindo o caminho a novas ideias, novas e menores empresas com menores custos associados que criam o que o mercado procura; ou os grandes fornecedores evoluem rápida e responsavelmente, criando plataformas e ferramentas que funcionam e correspondem ao que se pretende delas, cimentando a posição desses grandes grupos que já dominam o mercado.

O QUE FALTA

Para atingir a tempestade perfeita, é imperativo juntar no seu centro todos os stakeholders. Instituições, companhias de tecnologia, médicos, enfermeiros, pacientes, todos têm um papel fundamental na construção desse modelo.

Publicado no Portal DiagnósticoWeb
Publicado na Revista Diagnóstico

Arlen Meyers “Hospitais liderados por médicos são mais lucrativos”

Para o CEO da SoPE — Sociedade de Médicos Empreendedores –, médicos têm cada vez mais a chance de descobrir que aprender a fazer negócios é tão importante quanto se aprofundar na prática clínica.

Arlen Meyers, em São Paulo, 2016

A velha máxima de que o médico é um péssimo empresário não passa de um mito perpetuado por consultorias que, claramente, querem lucrar com essa linha de pensamento. A frase polêmica é do médico americano Arlen Meyers, CEO da SoPE — Society of Physician Entrepreneurs (Sociedade de Médicos Empreendedores, em tradução livre) –, com sede no estado da Connecticut, costa leste americana. Meyers, que continua exercendo a profissão, apesar de dedicar grande parte do seu tempo à consultorias e à docência, defende categoricamente que um sem fim de médicos mundo afora são muito proficientes no exercício do empreendedorismo. “Hospitais liderados por médicos são mais lucrativos e têm melhores resultados financeiros do que aqueles dirigidos por quem não é médico”, garante o dirigente. “O contrário disso é um mito disseminado, em larga medida, por consultorias interessadas em vender seus serviços”. Mas há um aliado nesse processo de “desinformação”, acredita ele: as faculdades de medicina, que formam mal seus estudantes e “enterram cada vez mais a cabeça na areia”, quando assunto é o estímulo ao empreendedorismo. Para Meyers, o “Negócio Saúde” e as novas tecnologias deveriam ser parte da educação de todo estudante de medicina. “É negligente toda faculdade de medicina que não prepara os futuros médicos para as novas ferramentas tecnológicas e para os desafios de gestão na área da medicina”, provoca o docente, para quem as grandes corporações de tecnologia global, a exemplo da Google, Apple e IBM vão ter um peso cada vez mais influente na forma de se fazer a medicina moderna. Mas como será esse futuro médico, misto de aconselhador, detentor da técnica e de um olhar mais “digital”? “Serão profissionais que não irão tratar os pacientes, mas cuidar também de toda a informação fornecida pelos pacientes”, descreve Meyers, em tom professoral. “Esse, aliás, passará a ser um ponto de dados. E o médico, em grande medida, o gestor dessas informações”.

“Encontrei” Meyers na cidade de Denver, bem no coração do Colorado. Às 10h da manhã — horário local –, ele atendeu para falar sobre o futuro da medicina, inovação, tecnologia e empreendedorismo.

Médicos lideram os cinco melhores hospitais dos Estados Unidos, segundo a AAPL (American Association of Physician Liaisons). A expertise clínica conta pontos para o gestor da área da saúde?

Arlen Meyers — Hospitais liderados por médicos são mais lucrativos e têm melhores resultados financeiros do que aqueles dirigidos por quem não é médico. Estamos falando de grandes sistemas hospitalares. Minha experiência diz que entregar aos médicos a missão ou visão do hospital pode ser mais fácil se ele tiver a mentalidade de um líder munido de cultura e entendimento dos detalhes do sistema. É como se um de nós estivesse liderando uma organização depois de já ter estado lá, sabendo como tudo funciona. Parte desse mérito tem a ver, obviamente, com a credibilidade clínica. Fundamentalmente, médicos olham para seus líderes assistenciais por sua credibilidade, mas não fazem o mesmo paralelo na área administrativa.

Existe a ideia de que um médico gestor só pode assumir uma destas funções: ou lidera ou se dedica à assistência. Como quebrar essa linha de pensamento?

Meyers — Em primeiro lugar, é importante definir os termos. Basicamente, estamos falando de médicos que são técnicos e estão na linha da frente tratando pessoas. Em algum momento da carreira, esses profissionais evoluem para a função gerencial, o que os obriga naturalmente a saber otimizar recursos para obter o máximo de eficácia. No passo seguinte, se tornam líderes, conduzindo a visão, direção e inspiração do negócio. O nível acima desse é o do empreendedor, que cria valor e o transfere aos stakeholders. Acho que os médicos têm capacidade plena de seguir essa trajetória. E podem exercer todas as funções concomitantemente ao exercício da medicina. Porém, apenas um número muito reduzido é capaz disso. Quando falamos da evolução ao papel de empreendedor, o número de médicos com essa mentalidade é extremamente limitado, inclusive o de líderes empreendedores. Encontrar um médico que seja líder e tenha mentalidade empreendedora é raríssimo.

Acha que as faculdades de medicina podem contribuir com esse processo?

Meyers — Existe uma lógica segundo a qual todos temos algo que faz parte de nossa natureza e algo que é desenvolvido ao longo da vida. Em parte, ter uma mentalidade empreendedora é um traço de personalidade. Por essa perspectiva, a resposta é não: ou a pessoa tem essas características ou não tem. Por outro lado, alguns indivíduos possuem essas características, só que não completamente desenvolvidas. Para eles, claro, podemos criar um ambiente propício ao desenvolvimento dessas qualidades.

O que dizer aos defensores da tese de que a faculdade de medicina não é lugar de ensinar a fazer negócios?

Meyers — Praticamente nenhuma faculdade de medicina ensina a fazer negócios. Do meu ponto de vista, isso é negligência educacional. O ambiente na área da saúde é tão complexo e mutante que eu não diria que aprender a prática de medicina é mais importante do que aprender sobre o “business da saúde”. Diria que é algo que deveria fazer parte da educação de todo estudante de medicina, mesmo na fase de residência médica. Ao não fazer isso, as faculdades de medicina estão enterrando a cabeça na areia na esperança de que o problema desapareça. Quando muito, a tendência é a de que vá piorar.

Os cursos de medicina precisam diversificar as matérias da grade tradicional ou o ensino de negócios deve ser complementar, tratado na pós-graduação?

Meyers — A maioria dos profissionais do ensino de medicina já reconhece que o sistema não está proporcionando aos alunos as competências de que necessitam para serem bem-sucedidos e cuidarem de suas respectivas comunidades. As pessoas estão tentando entender como redefinir e alterar os programas para dar aos estudantes conhecimentos, competências e habilitações que garantam um aprendizado satisfatório. A meu ver, é necessário incluir saúde digital na grade curricular, assim como as ferramentas de gestão empresarial e empreendedorismo na medicina. Mas não a um extremo em que se desloque o cerne do conhecimento médico científico, que é um requisito indispensável para se cuidar do paciente. No entanto, ignorar totalmente novas vertentes na dinâmica da formação médica é uma irresponsabilidade. Creio que mais estudantes estão chegando à faculdade com a ideia de que não querem exercer a medicina por 40 anos — e alguns sequer querem ser médicos. Se abrirmos o processo de admissão a pessoas que não têm a menor intenção de exercer a medicina e querem um MBA para terem credibilidade clínica, essas pessoas estarão apenas interessadas em criar uma empresa ou montar um negócio na área da saúde. A vida clínica média, isto é, o número de anos em que os médicos exercem a profissão, acredito, será mais curta. Estudantes de medicina saltarão entre diferentes carreiras ou mesmo entre empregos, e mais médicos vão querer clinicar em tempo parcial. O fato é que nós, como academia, não estamos providenciando a plataforma que esses estudantes necessitam para atingir seus objetivos. E precisamos fazer isso, logo. Caso contrário, veremos cada vez mais insatisfação nos médicos, assim como depressão, esgotamento e até suicídio. Nós não estamos nos adaptando às necessidades do mercado.

Há anos existe um consenso de que um executivo hospitalar deve vir do mercado, pois o médico enfatiza demais a excelência técnica e, por isso, abre mão do controle de custos. Concorda com essa visão?

Meyers — Existe um mito de que os médicos são péssimos nos negócios. Isso é absolutamente falso. Em primeiro lugar, é preciso detalhar o que significa ser péssimo para negócios. Seria não saber ganhar dinheiro? O que é um péssimo investidor? Talvez aquele que não saiba como dirigir uma organização. Pessoalmente, lido com diversos médicos que são muito proficientes como empresários. Por isso, acho que existe um mito generalizado de que médicos são péssimos empresários. Isso, de certa forma, é conveniente para os prestadores de serviços que pretendem providenciar aconselhamento financeiro, pois enxergam nesses profissionais um alvo fácil. Discordo absolutamente dessa afirmação, que revela falta de visão. Francamente, considero-a insultuosa.

O que você acha da convivência entre médicos e não-médicos no conselho dos hospitais? É possível conviver com modelos híbridos?

Meyers — Isso é essencial para a bioinovação e o empreendedorismo. Faço parte de diversos comitês consultivos e conselhos de administração, trabalho com pessoal não-médico, técnicos, empresários, engenheiros, e acredito que quanto mais diversificado for o grupo, mais criativo será. Ter um médico no conselho é crucial para dar uma perspectiva clínica ou um melhor entendimento de uma questão clínica, seja em uma diretoria hospitalar ou em uma diretoria de empresa ligada à indústria. Na verdade, muitos dos problemas que estamos vendo na área da saúde digital são consequência de uma falha dos fornecedores, que não envolveram adequadamente os consumidores finais no processo de desenvolvimento dos novos produtos — e isso inclui pacientes e médicos.

O médico Robert Pearl disse em artigo recente que a maioria das startups da área de tecnologia da informação para a saúde tem uma falha embrionária: seus produtos são formados quase sempre por profissionais de informática, com escassa participação de médico, seja como desenvolvedores ou consultores. Por que isso ocorre?

Meyers — Porque essas startups são impulsionadas pelo retorno do investimento, e não pela eficácia clínica. A maioria dos produtos e serviços de saúde digital é criada e desenvolvida fundamentalmente graças a investidores e empreendedores de base tecnológica cujo objetivo é fazer a empresa crescer em escala o mais rapidamente possível. Francamente, eles não estão interessados em segurança dos dados, em segurança de tecnologia da informação para a saúde, e certamente, tampouco em eficácia clínica. A maioria dos produtos criados tem pouco ou nada a ver com o objetivo de trazer melhoria aos pacientes, e sim como ampliar o retorno e gerar cada vez mais lucro.

A entrada de gigantes tecnológicos como Google, Apple e Microsoft continuará a dar o tom sobre o futuro da medicina?

Meyers — Claramente. O futuro dos cuidados em saúde é migrar para tecnologias de interface, como comunicação social e de massa, telecomunicação e Big Data. Tanto a assistência quanto a gestão estão se tornando cada vez mais digitais. Portanto, para todos os efeitos, uma das megatendências é olhar para os pacientes como pontos de dados e para os médicos como gestores de dados. A interface entre ambos serão profissionais de dados e empresas especializadas em adquirir, analisar e distribuir essas informações. Estamos falando de empresas de telecomunicações, de conteúdo, de comunicação social. No futuro, os grandes players do setor de saúde não estarão necessariamente em hospitais, mas em áreas como telecomunicação, aeroespacial, Big Data e tecnologia. Veremos cada vez mais interfaces entre farmacêuticas, dispositivos, prestação de serviços de cuidados de saúde e essas tecnologias. Um exemplo é a Teva, de Israel, que fez um grande investimento em telemedicina. Eles não estão fazendo isso por acharem que é uma boa ideia e sim para expandir seu negócio e por acharem que essa é uma área em crescimento. Será cada vez mais difícil distinguir o que é tecnologia e o que é medicina. Teremos uma fronteira cada vez mais borrada. Acho que, no futuro, as Apples, os Googles e as Samsungs vão liderar a saúde em nível global.

Mesmo com as limitações impostas à telemedicina?

Meyers — Acredito que sim, apesar do desafio ser grande. Afinal, usar essas tecnologias em larga escala depende muito do ecossistema e de restrições regulamentares e legais. Há resistência principalmente com relação a reembolsos, licenciamento, credenciamento, pagamento e, também, com fatores humanos. Existem inúmeras barreiras à adoção e ao uso generalizado da telemedicina nas áreas rurais, por exemplo. Isso não é um problema exclusivo dos Estados Unidos. Países igualmente continentais como Brasil, China e Índia não conseguiram implementar projetos de medicina em larga escala de forma efetiva. O problema, nesse caso específico, está relacionado com infraestrutura, dinheiro, modelo de negócio e restrições regulamentares e legais.

A questão é discutida nos EUA desde o final da década de 50…

Meyers — A primeira patente de telemedicina, e sua primeira aplicação, aconteceu em meados da década de 1920. Ou seja, estamos quase celebrando cem anos da primeira utilização da telemedicina. Mudar qualquer sistema de saúde leva uma eternidade. Na América do Norte, você tem razão, o debate remonda os anos 50. Só muito recentemente, pelo menos nos Estados Unidos, os conselhos estaduais de medicina, legisladores estaduais e as autoridades federais começaram a remover algumas das barreiras para a implementação da telemedicina. Essas questões têm a ver com economia, política e diferenças regionais e culturais. A tecnologia existe há muito tempo e nunca foi o problema. O problema parte das pessoas e dos sistemas políticos e econômicos, que são os verdadeiros obstáculos.

Os médicos devem se adaptar a essas tecnologias ou é a tecnologia que deve ser desenvolvida para os médicos?

Meyers — Acho que deve haver um pouco de ambos. O propósito da tecnologia no setor da saúde é ajudar os médicos a cuidar dos pacientes ou ajudar os pacientes a cuidarem deles mesmos. Portanto, cada tecnologia de saúde deve ser analisada levando-se em conta se ela auxilia o médico a cuidar do paciente com eficácia ou se ajuda o paciente a cuidar de si e mostra resultados favoráveis e comprováveis. Se aplicarmos esse raciocínio às tecnologias disponíveis atualmente, apenas uma parte incrivelmente reduzida realmente cumpre o que se pede, particularmente em saúde digital. Elas simplesmente não ajudam os médicos a cuidar dos pacientes e não permitem obter resultados mais favoráveis.

Que tipo de suporte a SoPE dá aos médicos na organização ou no financiamento para empreender?

Meyers — A SoPE é a maior rede global, sem fins lucrativos, de empreendedorismo e inovação biomédica e em saúde. Nossa missão é ajudar os membros, cuja maioria são médicos, a fazer suas ideias chegarem aos pacientes. Para isso, providenciamos educação, recursos, rede de contatos, mentores, aprendizado experimental e acesso a pessoas com capital para investimento, em um esforço para ajudar a impulsionar suas ideias. Fazemos isso a partir de uma rede internacional e oferecemos suporte a empreendedores para concretizar suas ideias.

E isso inclui também consultoria na área marketing?

Meyers — Sim. O conceito de empreendedorismo médico engloba vários elementos. A área de marketing e vendas — seja de uma entidade, consultório ou outro negócio ou de um produto voltado ao sistema de saúde — está dentro do espectro de competências que ensinamos. Também ligamos nossos membros aos especialistas em cada campo. Nossa vocação é criar plataformas de apoio ao empreendedorismo.

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