John Nosta O Consigliere da Google Health

Biomédico americano, John Nosta, é definido como um influenciador e um dos mais admirados disruptores na saúde digital. A si próprio, prefere ser visto como um consigliere — termo eternizado no filme The Godfather – O Poderoso Chefão. Mas do bem.

John Nosta apresenta-se como business consigliere, alguém em quem se pode confiar e que vai ajudar na evolução de seu pensamento e na condução de sua estratégia de engajamento de mercado

John Nosta é mais um caso de sucesso de 2ª geração, imigração europeia para os EUA. Seus avós emigraram da Europa Oriental, da Romênia e da Polônia, e criaram raízes a meia hora de Manhattan, em Perth Amboy (NJ). Seu pai, John T. Nosta, era engenheiro eletricista e apresentou a seu filho o universo da eletrodinâmica, incutindo nele a curiosidade em saber como as coisas funcionam. Rose Nosta, uma CEO do lar, presidia ao conselho de administração doméstico que geria toda a educação de John e sua irmã Nancy. Nancy, oito anos mais velha que John, se tornou uma pintora expressionista abstrata, professora e líder educacional das belas-artes. A criatividade parece ser algo genético nos Nosta, mas no caso de John teve uma forte influência do pai e da lógica científica que norteava sua profissão.

Nosta também tem um lado de facilitador, de tradutor da ciência, da medicina e do digital. Já Einstein defendia que “você não entende realmente algo, a menos que você consiga explicá-lo para sua avó.” E Nosta tem essa capacidade, ele sabe explicar os temas científicas mais complexos para sua avó. Até mesmo em espanhol, idioma que aprendeu ao lidar com a populosa comunidade porto-riquenha de Perth Amboy.

O sonho de John T. Nosta era que seu filho fosse médico. Aos 16 anos, John frequentou um programa avançado de verão em Harvard, em seguida explorou a área de trauma médico móvel, tornando-se paramédico na sua cidade. Estavam concluídos os alicerces para se concretizar o desejo do pai Nosta e o filho Nosta entrou na Universidade de Boston em uma graduação em biofísica. Em seguida, John passou um ano fazendo pesquisas na Harvard Medical School e foi orientado por vários médicos, incluindo o chefe de cardiologia (naquela época) Thomas Smith. Foi ideia do Dr. Smith que John seguisse um programa de PhD. “Entrei na faculdade para estudar fisiologia. Eu sempre tive um grande interesse em medicina, mas descobri que os meus interesses iam bem além da medicina, em áreas como criatividade, arte, filosofia. E acabei achando a medicina, naquele momento, uma área muito chata, em última análise. Eu tive uma oportunidade fantástica em Harvard de falar com algumas das pessoas mais inteligentes nessa área. Tendo esse luxo, não falávamos sobre detalhes de medicina, mas de questões de geopolítica, de amor, de arte.

Mas John estava interessado em explorar uma realidade mais vasta. Então, deixou Boston e se mudou para Nova Iorque, onde se tornou escritor e pensador. Nosta deixou a investigação médica em fisiologia cardiovascular para desespero de seus pais, mas não sem antes publicar com seus mentores, por exemplo, no American Journal of Cardiology. Isso foi algo que lhe deixou ensinamentos importantes, que acabaram sendo a base para sua apetência pela saúde digital.

“Comecei a trabalhar na indústria de ciências da vida, como pensador criativo e estratégico para grandes farmacêuticas. Esse foi o início da minha transição. Foi aí que ganhei competências que me deram um pouco da experiência real para moldar a forma como olho para o mundo e para a saúde e a medicina, sempre muito próximo da medicina e inovação, mas olhando sob uma perspectiva diferente”, conta John Nosta.

Ele acredita profundamente na simbiose entre o poder da capacidade humana e o poder da tecnologia, em como a aliança entre ambos pode melhorar a nossa saúde. E é com entusiasmo e paixão pela saúde digital que fala com outras pessoas sobre o assunto. Uma paixão reconhecida por seus pares, por pacientes, médicos, indústria farmacêutica, pelas empresas de tecnologia, por analistas e jornalistas. Foi escolhido como um dos Influenciadores de Saúde Digital, em 2015, Defensor de Topo da Revolução Digital de Saúde, Pensador Líder de Saúde Digital, Futurista de Saúde Digital e é assinalado como um dos Influenciadores do Top 25 em Big Pharma. John Sculley, ex-CEO da Apple Computers e Pepsi, afirma que “John Nosta fornece uma perspectiva abrangente sobre o movimento de saúde digital. Com sensibilidades únicas para a ciência, engajamento do consumidor e marketing da marca, ele combina a paixão com conhecimento e oferece mais do que um discurso, ele fornece uma conversa engajada que informa e move sua audiência. O domínio do conhecimento de John da medicina, tecnologia e marketing faz dele um observador atento da saúde digital e um dos poucos capazes de articular claramente a importância deste movimento na história da humanidade”. E Gil Bashe, vice-presidente executivo, diretor de prática de saúde da Makovsky & Company, alinha pelo mesmo discurso e acredita que “John é um pensador talentoso capaz de ver peças do puzzle e visualizar todo o quebra-cabeça em conjunto. John é capaz de ver como os clientes de saúde, a viagem do produto e o sucesso se cruzam. Em um mundo digital de convergência, John é um essencial em qualquer equipe Quando John tem uma ideia, ouça!”.

John diz que tenta entender tendências e dados de uma forma básica e fundamental. Depois tenta interpretar dentro de um contexto social ou clínico ou de saúde digital. E acredita que tudo o que escreve vem de uma perspectiva assente numa base factual. Mesmo as pessoas que leem a Forbes ou que assistem à Bloomberg muitas vezes ainda não possuem conhecimento para compreender uma área nova ou emergente e a sua percepção é superficial. “Acredito que os meus leitores querem um determinado nível de análise e uma voz informada que proporcione uma visão mais profunda. Eu gosto de levar as ideias para locais novos e inesperados. Em saúde, isso acontece fazendo perguntas essenciais, olhando para a natureza da inovação e como essa inovação se encaixa nas necessidades clínicas, sociais e financeiras.”

Aceitou integrar o conselho consultivo da Google Health e conta que as suas expectativas estavam em aberto. “Acho que esperamos sempre surpresas da Google. Na verdade, pessoalmente foi uma oportunidade de me sentar em uma sala com pessoas realmente inteligentes e falar sobre o que está acontecendo no mundo e ter essas pessoas compartilhando sua sabedoria comigo.”

Na opinião de Nosta, as empresas de tecnologias vão facilitar grandes avanços em saúde sem nem saberem. Empresas como Google e Microsoft estão atuando no espaço da saúde por existir uma convergência única de múltiplos fatos. “Primeiro, existe uma necessidade urgente, segundo, existe a oportunidade tecnologica para executar. Em terceiro, existe um sentimento de deslumbramento na sociedade, a tecnologia é parte fundamental das nossas vidas e nós a abraçamos de formas novas e emocionantes. Existe também um imperativo moral que nos leva a fazê-lo. Vivemos num momento em que a oportunidade e a tecnologia estão se encontrando”.

A Ogivly foi sua casa durante dez anos, foi chief strategic officer e chief creative officer, o que era uma combinação singular. Muitas vezes os estrategistas são analíticos e olham para o mundo de uma maneira muito factual, enquanto um criativo é mais eclético, olhando para o mundo com uma visão totalmente diferente. “Para mim foi uma oportunidade excepcional para olhar para o setor de healthcare e filtrar a informação através de um cérebro que está sintonizado numa frequência criativa.” Vê a indústria farmacêutica enquanto indústria que muda as nossas vidas e, literalmente, salva vidas. “É extraordinariamente interessante trabalhar para essa área enquanto criativo, pois é também extraordinariamente regulada. Cada frase que sai desse setor é revista cada vez menos pelos criativos, e cada vez mais pelas pessoas dos departamentos legais e regulatórios.” É um desafio, mas John ri e diz que fazemos as coisas, não por serem fáceis, mas por serem dificeis, por serem aliciantes e por poderem mudar nossas vidas.

Redes sociais

“A pasta dental já saiu do tubo e não volta a entrar”. Na área de saúde algumas pessoas ficam nervosas, pessoas que não acham que os pacientes devam comentar sobre a qualidade do hospital ou sobre a competência clínica de um médico. Nosta crê que a inteligência coletiva dos pacientes é tão ou mais inteligente que a do médico. “Vamos supor que um casal tem um filho com câncer. Esses pais têm um conhecimento extraordinário da condição de saúde do filho, das pesquisas sobre câncer e das questões particulares do câncer do filho. Quando esse conhecimento é compartilhado com outros pais que compartilham quer o poder intelectual, quer a experiencia emocional, o que obtemos é um resultado importante, poderoso e profundo que pode acrescentar algo à intervenção que tradicionalmente seria oferecida pela comunidade farmacêutica e clínica para abordar o problema de saúde. Não é algo trivial, é um aspecto transformativo dos cuidados de saúde.” O paciente já está redefinindo a saúde e a medicina como as conhecemos. E as escolas médicas estão treinando médicos para ser menos intimidadores para os pacientes.

Um importante fator de mudança quando falamos no movimento de saúde digital é a telemedicina. “É, cada vez mais, a primeira linha de defesa”, diz Nosta. Representa a possibilidade de interagir com um médico de forma imediata e rápida aos primeiros sinais de doença ou mal-estar, pode ajudar a colocar o paciente no caminho para uma terapia mais eficiente, mais econômica e mais poderosa clinicamente. “É uma oportunidade para providenciar mudanças disruptivas fundamentais na assistência médica, principalmente em pontos de necessidade urgente, como certos países em desenvolvimento, onde as pessoas não têm qualquer acesso a cuidados de saúde, aí a telemedicina pode proporcionar mudanças fundamentais.”

NostaLab — Os avanços na tecnologia são perturbadores, desafiadores e capacitam um novo “coletivo social” que irá mudar a medicina na sua essência. Por isso, o think tank NostaLab propõe a criação de uma nova sociedade médica. A premissa do NostaLab é empoderar inovação através de pensamento estratégico e crativo eficaz. Nosta usa uma comparação interessante: “Por vezes quando você tem uma grande ideia é como piscar o olho no escuro. Você sabe que está piscando, mas ninguém mais sabe. É importante comunicar as ideias de forma eficaz para criar uma estratégia de mercado. Por exemplo, muitas vezes as pessoas dizem ‘se eu construir, os interessados vão aparecer’. E isso não é verdade. Se você construir um dispositivo ou tecnologia de saúde digital, você precisa engajar uma comunidade própria, seja a comunidade hospitalar, médicos, para obter validação, ou conectar com os consumidores ou pacientes e levar a inovação na direção deles. Não é algo em que tenha que escolher um ou outro, por vezes é uma combinação. E pensamos formas de criar marketing e publicidade para ajudar a comunicar isso da maneira mais eficaz e mais eficiente. Convém lembrar que muitas empresas digitais não têm orçamentos grandes e mesmo as grandes companhias que têm orçamentos maiores limitam os montantes disponíveis para testar essas ideias.

É aqui que surge o NostaLab, um grupo de consultores que ajudam a providenciar pensamento fundamental em torno de inovação de saúde digital e também dão segunda opinião a empresas farmacêuticas, agências de publicidade e firmas de RP, que lhes permitem reavaliar suas linhas de pensamento do ponto de vista de alguém que tem uma visão de quem está por dentro.

Business consigliere — O NostaLab não é um anjo, pois não financia. Nem mesmo é um cupido, pois não causa paixão entre projetos e investidores. Nosta encontrou no filme Godfather (O Poderoso Chefão) a definição mais correta para a sua função. É um business consigliere, alguém em quem se pode confiar e que vai ajudar na evolução de seu pensamento e na condução de sua estratégia de engajamento de mercado.

Nosta quer transformar a saúde digital em uma realidade prática para ele, o setor de saúde necessita de plataformas de colaboração para permitir que os médicos trabalhem em torno de processos como investigação, prática clínica, educação continuada, saúde digital e medicina digital. Mais do que IA, ou inteligência artificial, estamos presenciando, graças à tecnologia, o aparecimento de AI, aumento de inteligência.

Para ser pensador, criativo, filósofo, conselheiro, Nosta analisa o seu papel como paciente que ambiciona uma interação com a medicina que melhore a experiência humana e traga mais valor à vida. A medicina não pode ser apenas um meio de solucionar problemas de saúde. Nosta acredita que o digital tem tudo para tornar completamente diferente a relação do paciente com a medicina. Para melhor.

Publicado no Portal DiagnósticoWeb
Publicado na Revista Diagnóstico

John Ioannidis: O salvador da ciência

John Ioannidis afirma que a ciência é um esforço nobre, mas de baixo rendimento. Para ele, devemos estar muito confortáveis por saber que apenas uma pequena percentagem da pesquisa médica pode nos levar a melhorias nos resultados clínicos e qualidade de vida.

A maioria dos resultados de pesquisas biomédicas publicados é falsa. A afirmação é do greco-norte-americano John Ioannidis e fez do cientista e pesquisador um dos autores mais citados do mundo.

O ambiente paradisíaco da ilha grega de Sikinos e a sua esposa, Despina, serviram de inspiração para o primeiro esboço do estudo. Estávamos no Verão de 2004 e o casal aproveitava aquilo que seria apenas mais uma noite calma na varanda. Ioannidis ia relatando as ideias com entusiasmo à sua companheira. Finalmente, após um período de dez anos amadurecendo na sua mente, conseguia passar o seu raciocínio para o papel.

O resultado foi o artigo “Why Most Published Research Findings Are False” (Por que a maioria dos resultados publicados são falsos”, em tradução livre), de 2005, que é, atualmente, o mais baixado e consultado da revista científica PLoS Medicine. Em 2014, quando o estudo contabilizou um milhão de visitas, Ioannidis confessou que o título do artigo foi uma preciosa ajuda para captar a atenção da comunidade médica e científica, mas levou algum tempo a alcançar a popularidade que tem atualmente. Dez anos depois, ainda faz sentido.

Para ele, o mais surpreendente foi ver o impacto e o reconhecimento que o artigo conseguiu com o passar do tempo. Desde a sua publicação até hoje, vários colegas comunicaram a Ioannidis as suas ideias, opiniões, preocupações e visões relativas às suas áreas de trabalho, mostrando a discussão e reflexão suscitadas pelo artigo na comunidade científica, não só em biomedicina, mas nas ciências sociais, psicologia ou economia. Muitos pesquisadores estão ansiosos por poder trabalhar com ele: ele tem trabalhos publicados com 1.328 coautores diferentes em 538 instituições de 43 países, chegando a receber, anualmente, convites para falar em mil conferências e instituições ao redor do mundo. Hoje em dia não consegue cumprir a generosa média de aceitar cerca de cinco convites por mês, após o excesso de viagens lhe ter causado vertigem induzida.

Ioannidis forma com Steve Goodman a dupla que dirige o Metrics (Meta-Research Innovation Center at Stanford), um centro que ambiciona melhorar a eficiência da investigação científica. Uma das metas do professor e cientista é poder dizer um dia que o título do seu trabalho deixou de ser verdadeiro e que não faz sentido dizer que maioria dos resultados dos artigos publicados é falsa para qualquer área científica.

Nos anos 90, Ioannidis reuniu uma equipe e montou uma base na Universidade de Ioannina. Após detetarem taxas de erro perturbadoramente altas na literatura médica, era necessário alcançar dados sólidos, raciocínio claro e boa análise estatística para conseguir identificar o problema e, se possível, encontrar uma solução. “Um tema recorrente da literatura grega antiga é que você precisa perseguir a verdade, não importa o que a verdade possa ser”, disse.

O seu espírito crítico e analítico toma forma em seus trabalhos, que prosseguem desafiando as bases da pesquisa médica.

Ioannidis provou matematicamente que você é atraído para as ideias que têm uma boa chance de estar erradas, basta que você esteja motivado para provar que estão bem e tenha um pouco de espaço de manobra na forma como você vai montar a prova e provavelmente vai conseguir provar que as teorias erradas estão corretas.

Ioannidis publicou um estudo, em 2005, no Journal of the American Medical Association (Jama) no qual demonstrou que entre um terço e metade das conclusões das investigações biomédicas não eram de confiança.

Outra lição implícita a retirar do trabalho de Ioannidis é de que os resultados obtidos são fruto do trabalho isolado dos cientistas, cada um tentando ultrapassar o outro, cada um procurando atingir conclusões de valor sem compartilhar ou combinar informação. Infelizmente, na maioria das áreas, a busca por reconhecimento, ou até pelo prêmio Nobel, faz com que o paradigma do investigador solitário e isolado seja o paradigma dominante. O caminho da medicina baseada em evidências é o mais correto, o que leva os médicos a usar a melhor ciência disponível para o exercício da profissão, em vez de se limitarem a aplicar o que aprenderam na faculdade.

É necessário filtrar os maus estudos, é preciso fazer uma revisão paritária de qualidade e para isso não basta ter um número mínimo de pessoas que passam um tempo mínimo a analisar informação, que também é mínima. É que mesmo quando existem dados — o que continua sendo raro — falta tempo para proceder à sua análise e verificação. Um procedimento que pode ser útil é a revisão pós-publicação. O simples ato de comentar, levantar questões ou preocupações, pode ser construtivo, mas faltam incentivos para cientistas e outros intervenientes desenvolvam uma análise crítica de qualidade ou mesmo que tentem replicar os estudos realizados. É importante e necessário encontrar formas de recompensar as pessoas por este tipo de verificação. É urgente repensar a forma de “fazer” ciência, como planejar e conceber a investigação científica, promover ciência em equipe, grandes estudos colaborativos em vez dos investigadores individuais com estudos independentes, todo um novo processo que culminaria na revisão paritária.

O Efeito Estados Unidos

Em 2013, uniu esforços com Daniele Fanelli, da Universidade de Edimburgo, e publicaram na Proceedings of the National Academy of Sciences os resultados de um estudo em que defendem a existência do “Efeito Estados Unidos”, ou seja, os cientistas norte-americanos estão sob grande pressão para produzir resultados de forma a obter financiamento de pesquisa ou conseguir uma promoção e subir na carrreira. Ioannidis não sugere que os cientistas estejam forjando resultados intencionalmente, ele sinaliza algumas áreas de investigação sejam mais difíceis de quantificar que outras, como o caso das ciências comportamentais, em comparação com genética, onde não existe espaço para erro, por exemplo, na sequenciação de genes.

“A investigação é algo maravilhoso. É a melhor coisa que já aconteceu aos seres humanos. Precisamos da investigação. Precisamos da ciência. Precisamos de melhores métodos de fazer as coisas. Muitas vezes sabemos o que são os métodos, mas não sabemos como os implementar”, disse Ioannidis no início do ano. Ele defende que, tal como na medicina e para os médicos, também a investigação e os cientistas devem aderir ao pagamento por performance. É uma mudança de paradigma que vai incentivar os melhores métodos e práticas. Atualmente, explica, algo está muito errado. “Não podemos continuar investindo em propostas ou publicações que apresentem argumentos extravagantes. O que deve ser apoiado e incentivado é o progresso com bons métodos, boa ciência e resultados com credibilidade. Hoje em dia existe um grande número de cientistas querendo fazer investigação da investigação e eles estão gerando insights importantes sobre a boa e má aplicação da pesquisa científica. E isso exige uma educação de qualidade. A falha está na educação”, conclui.

Status Quo da Investigação Médica

“Os pesquisadores e os médicos muitas vezes não entendem uns aos outros; eles falam línguas diferentes”, explica Ioannidis. A investigação médica não é especialmente atormentada pelas incorreções. Mas todos esperam mais de cientistas, e especialmente de médicos cientistas, uma vez que acreditamos que estamos apostando nossas vidas em seus resultados, explica Ioannidis, que faz questão de ter vários médicos em sua equipe.

Um grande dilema na comunidade de meta-pesquisa é a questão de saber se os problemas com a investigação médica devem ser transmitidos para o público. Não só por poder promover o desencanto dos pacientes mais céticos, mas muitos pesquisadores e médicos não querem dar razões que venham a afetar o financiamento da investigação. Ioannidis descarta essas preocupações. “Se nós não informarmos o público sobre esses problemas, então nós não somos melhores do que os não-cientistas que falsamente afirmam que podem curar”, diz.

Rigor ou financiamento, esse é o dilema de muitos investigadores, segundo Ioannidis: “Alguns temem que possa haver menos financiamento porque paramos de alegar que podemos provar que temos tratamentos milagrosos. Mas se nós não podemos realmente fornecer esses milagres, por quanto tempo é que vamos ser capazes de enganar o público? O empreendimento científico é provavelmente a realização mais fantástica na história humana, mas isso não significa que nós temos o direito de exagerar o que estamos realizando.

Desfazendo Mitos

Ioannidis sugere uma abordagem simples: ignorar todos os estudos. “Os estudos têm andado para trás e para frente e espalham a dúvida sobre como escolher entre os resultados divergentes. A lógica é válida para todos os estudos médicos”, acrescenta. Ele também aponta o dedo aos estudos de medicamentos, que diz terem a força corruptora adicional de conflito de interesse financeiro. “Muitas vezes, as reivindicações feitas pelos estudos são tão extravagantes que você pode cruzá-los imediatamente sem precisar saber muito sobre os problemas específicos com os estudos. Mesmo quando as evidências mostram que uma determinada pesquisa está errada, se você tem milhares de cientistas que nela investiram suas carreiras, eles vão continuar a publicar artigos sobre ela”, diz, concluindo em seguida que “é como uma epidemia, no sentido de que eles estão infectados com estas ideias erradas, e eles estão espalhando para outros investigadores através de revistas.”

Poderíamos resolver grande parte do problema se o mundo simplesmente parar de ficar esperando que os cientistas estejam certos. Estar errado na ciência é bom, e mesmo necessário, contanto que os cientistas reconheçam que erraram, relatem seu erro abertamente em vez de disfarçá-lo como um sucesso para depois passar para a próxima coisa.

“A ciência é um esforço nobre, mas também é um empreendimento de baixo rendimento”, afirma. Sabemos que apenas uma porcentagem muito pequena da pesquisa médica é susceptível de levar a grandes melhorias nos resultados clínicos e qualidade de vida, diz Ioannidis que, tranquilamente, assegura que devemos estar muito confortáveis com esse fato.

Publicado no Portal DiagnósticoWeb
Publicado na Revista Diagnóstico

Sarfaraz Niazi O ‘Senhor Moustaches’

O indiano Sarfaraz Niazi, CEO da Pharmaceutical Scientist, foi considerado pela Forbes “o homem mais revolucionário da saúde”. Mas, Niazi — e seu bigode que se tornou marca registrada — é também um executivo fora dos padrões.

Sarfaraz Khan Niazi não é o típico CEO. Não esperem dele a tradicional foto de gravata, terno, de braços cruzados, na usual pose de liderança. A personalidade de Niazi tem o reflexo perfeito na sua imagem. O bigode, os chapéus e os suspensórios estão estreitamente identificados com a postura do homem que a Forbes considerou “o mais interessante e revolucionário do mundo da saúde, em 2014”.

O indiano, natural de Lucknow, região norte da Índia, é presidente da Therapeutic Proteins International (TPI) — holding com atuação global na fabricação de medicamentos recombinantes, também conhecidos como biossimilares. Considerado a mais nova fronteira da indústria farmacêutica, esse mercado vem causando furor no trade de saúde pela sua capacidade disruptiva de prover soluções medicamentosas a um custo infinitamente menor. E Niazi e suas empresas são a personificação desse processo. Recentemente, o empresário, escritor e pesquisador radicado em Chicago há mais de dez anos, lançou um novo livro, dedicado ao seu “amigo Barack Obama”. Na obra, ainda sem tradução para o português, Niazi descreve seus esforços em tornar os medicamentos acessíveis para o Affordable Healthcare Act, o “Obamacare”. Para isso, ele sugere ao mandatário americano que acabe com a exigência de testes de bioequivalência para aprovar medicamentos genéricos. Em substituição, o governo deveria usar métodos de teste de equivalência ortogonais, que reduziriam substancialmente o custo da introdução de drogas equivalentes. Como resultado, defende Niazi, se aumentaria substancialmente a qualidade dos produtos no mercado. O objetivo seria ampliar o acesso a produtos biológicos, muito caros e de alta complexidade, para aqueles que não podem pagar.

Segundo o seu fundador, a TPI é uma empresa independente fundada com o objetivo único de ajudar o mundo.“A caridade começa com um coração das pessoas. É sempre importante partilhar o que podemos”, disse Niazi, em entrevista à Diagnóstico.

A redução dos preços dos medicamentos poderia levar as grandes farmacêuticas a enxergar a TPI como um concorrente “desleal”, mas alguns de seus investidores estão ligados a empresas farmacêuticas como a Amneal Pharmaceuticals LLC.

DIFUSÃO DOS BIOSSIMILARES

Um dos desafios para a popularização dos biossimilares é que, normalmente, a sua aprovação demora vários anos após a perda de patente de um medicamento biológico de referência (no Brasil, os biossimilares devem ser chamados de “biológicos”, enquanto os biológicos originais são chamados de “biológicos novos”).

Para perceber o interesse das farmacêuticas nesse novo mercado, basta comparar os custos de produção e de venda ao público de um medicamento de referência, um genérico e o seu biossimilar. Em geral, são gastos em média entre US$1 e 3 bilhões para desenvolver um novo fármaco de referência. Já o genérico pode ser desenvolvido investindo até US$1 milhão. No caso do biológico similar, os valores da produção ficam bem abaixo, em torno dos US$100 a 300 mil. As vantagens vão além. Os biossimilares permitem poupar tempo, já que o período de produção é reduzido para metade ou um terço do necessário em comparação com um genérico ou um medicamento de referência.

Perante a lógica “caridosa” de Niazi e da Therapeutic Proteins International, fica a dúvida sobre a rentabilidade empresarial, mas seu fundador diz que o modelo de negócio é totalmente diferente do universo de produtos farmacêuticos. “Os pacientes nos Estados Unidos estão prontos para os biossimilares e reconhecem os benefícios para o sistema de saúde”, enfatiza o indiano, que espera lançar seus produtos nos EUA em um futuro próximo. Não por acaso, a empresa vem investindo na sensibilização dos médicos e dos consumidores americanos quanto ao valor dos biossimilares e suas virtudes. A previsão da TPI é de que, uma vez que os médicos recebam informação adequada sobre a robustez do processo de regulamentação e tenham uma melhor compreensão sobre a segurança desses medicamentos, a mudança para biossimilares será automática.

Niazi usa a França como exemplo. Desde 2014, a legislação francesa tornou estes produtos intercambiáveis para novos pacientes. “O mercado futuro para esse tipo de medicamento será impulsionado principalmente pelo contribuinte francês”, prevê o empresário. Ele explica que no caso específico da França, o avanço dos similares biológicos está sendo acompanhado pela criação de formas muito mais econômicas de produzir medicamentos.

No Brasil, um estudo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), publicado ano passado, revela que o governo brasileiro tem investido na produção de biológicos e há uma estimativa de orçamento em torno de R$ 35 bilhões até 2016 para aquisição de medicamentos.

As informações ainda apontam a expectativa de que o país passe a produzir 14 biossimilares para doenças como hemofilia, esclerose múltipla, artrite reumatoide e diabetes. A previsão é de que até 2017, esses produtos sejam integralmente fabricados no Brasil. Atualmente, o país compra cerca de 60% de biológicos.

Até o momento, países desenvolvidos, como Austrália, Japão, Canadá e a maioria das nações europeias, já aprovaram biossimilares no mercado e já os utilizam há muitos anos. Os biológicos já representam cerca de US$160 bilhões em vendas globais. E, por escala, milhões de pessoas beneficiadas. “Apesar de reconhecer o impacto prático das minhas criações, meu maior legado está em conseguir motivar os jovens a ser criativos, pensar diferente e desafiar tudo”, sentencia o inventor, que possui mais 100 trabalhos acadêmicos e 700 livros técnicos e literários publicados. “E isso é mais gratificante do que qualquer outro ganho. Há sempre espaço para criatividade e simplificação de processos na área da saúde”.

Niazi explica que conseguiu inventar um processo que permite a produção simultânea de inúmeros produtos, em uma instalação relativamente pequena, com rápido aumento de escala. A técnica elimina a maioria dos investimentos de capital necessários para desenvolver uma instalação biológica mais tradicional. Trata-se de uma tecnologia que deve, segundo ele, abrir novas possibilidade para os pequenos desenvolvedores de novas drogas, incluindo instituições acadêmicas e governos. “Situações que exigem a produção de medicamentos e vacinas relacionadas com desastres seriam um outro nicho importante para os biossimilares”, salienta o pesquisador, que já ultrapassou a marca de 70 patentes registradas.

GENIALIDADE

“É impressionante a lista de pessoas que o chamam de amigo, desde o presidente do Irã ao presidente dos EUA”, disse à Diagnóstico sua esposa e secretária, Anjum Niazi. “Trabalhar com Niazi é divertido e fácil”, afirma Robert Salcedo, CEO da TPI. “Ele gosta que você tome medidas imediatas e volte com opções diferentes”. Salcedo destaca que a sua genialidade às vezes cria mais ideias do que uma pessoa normal pode lidar. “Ele olha para o mundo a partir de dentro, ao contrário da maioria de nós, que buscamos análises a partir do que é mais evidente”, comenta.

No meio das já numerosas ocupações, Niazi também gosta de partilhar vários pensamentos no seu blog e no Twitter (cujo avatar é um bigode). Um tema recorrente é justamente o Affordable Care Act, definido politicamente por Niazi como um modelo que vem tornando mais acessível a cara medicina dos EUA para milhões de americanos. “O Obamacare foi posto em prática com uma missão de permitir o acesso a cuidados médicos a uma grande parcela de americanos excluídos do sistema, além de fomentar a redução de custos de cuidados de saúde que estão em um caminho insustentável”, sentencia. “É exatamente o que eu almejo com minha contribuição, só que em escala planetária”.

Para Niazi, apesar da complexidade do sistema de saúde nos EUA, o esforço para tornar o mercado mais competitivo tende a beneficiar cada vez mais pessoas. Adicionalmente, acredita ele, normas legais sobre cuidados preventivos e expansão do seu acesso por um número mais alargado da população tem o potencial de reduzir os encargos para o sistema.

“Mesmo assim, o sistema de saúde nacional, universal e gratuito norte-americano é uma utopia”, garante o empresário. Segundo ele, a saúde nos Estados Unidos deverá permanecer como um sistema misto, ainda que mais includente, em um futuro próximo.

No caso de países emergentes como Índia ou Brasil, ele acredita que trazer os padrões de qualidade, mantendo tratamentos com custos acessíveis continuará a ser um desafio para o futuro. “É lamentável que algumas agências reguladoras apliquem os mesmos padrões de qualidade aos produtos biológicos e medicamentos de pequenas moléculas”, critica o indiano. “O resultado desse tipo de política pode ser bem mais prejudicial para os pacientes do que se possa imaginar”. Em dois dos seus livros, “Biosimilars and Interchangeable Products — from cell lines to commercial launch” e “Handbook of Bioequivalence Testing”, Niazi deixa conselhos valiosos aos países em desenvolvimento sobre como formular políticas robustas para garantir a qualidade dos medicamentos biológicos. Isso inclui a ação de certificadores, bem como a vigilância contínua de produtos fabricados localmente. “As agências reguladoras desses países podem desenvolver um caminho seguro. Mas isso exige um novo pensamento”, intui.

Sobre a capacidade de agir sempre de forma disruptiva, Niazi diz que o segredo é aproveitar a vida, algo que considera ser rejuvenescedor. “É preciso ter paixão por algo, o que permite encontrar maneiras de fazer as coisas de forma mais eficiente”, assegura ele, que aos 65 anos de idade acabou de correr pela primeira vez a maratona de Chicago. “Ajudar o próximo também me ajuda a superar as minhas limitações”.

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