Eventos e Redes Sociais (Parte II)

Na era dos eventos digitais, em que a oferta de eventos free é tanta que chutamos uma pedra e aparece uma live, um webinar, um congresso, quem trabalha com eventos vive uma realidade muito própria, quase uma realidade alternativa.
Live no Instagram.
Artistas e celebridades conseguem um número muito maior de público do que uma palestra sobre o novo coronavírus. Para o marketing, é mais interessante investir na primeira opção. Quem quer proporcionar conteúdo relevante tem esse desafio.
Conferências digitais
Incritos VS público efetivo. Quantas pessoas realmente queriam estar ON na hora de determinada palestra ou debate, mas acabam por ter outros compromissos? Vão deixar de se inscrever? Acho que, desde o início da pandemia, já são mais de 10 as palestras que queria ter visto, mas não consegui. Os meus dados estão lá, a minha inscrição está lá. Para efeitos de engajamento, qual é o número apresentado? O de inscritos ou o de pessoas que estavam realmente online atentas à palestra?
Transmissão no YouTube
Acredito que é o modelo que mais me agrada, o mais honesto. Pelo menos, se a palestra ficar disponível (acontece não ficar, em certos casos). Quem não viu, pode ver. O número de visualizações está em constante atualização. Não interessa se viu na hora, se vai ver depois.
Agora, vamos analisar um caso que considero de extrema relevância.
Como um presidente líder do digital foi traído pelo digital.
Um dos mais influentes do Twitter, com maior alcance, engajamento e todos os termos usados para medir a ação nas redes sociais, foi totalmente ludibriado por adolescentes.
Tik-Tok  e K-Pop. A letra K tem como característica o seu “unvoiced sound” por não ter vibração das cordas vocais. Por coincidência, milhões de inscrições, que tiveram origem na rede social Tik-Tok e no movimento dos fãs de K-Pop, não levaram vibração ao comício de Donald Trump.
Conceito simples. O registo foi feito, as inscrições eram gratuitas, e a bolha foi criada. Juntou o movimento Black Lives Matter e LGBTI, criaram vídeos com instruções de como fazer, esses vídeos eram apagados de imediato para que organizadores ligados à campanha de Trump não se apercebessem do esquema.
A cadeia de transmissão pode parecer complexa, mas é quase simples: do Tik-Tok passou para o Twitter, para o Instagram e para o Snapchat. E o Facebook? Os boomers que estão ligados a Trump preferem essa redes social, por isso, ficou de fora da estratégia.
Foram centenas de milhares de inscrições, de muitos adolescentes, de muitos estrangeiros, todos inscritos através de app, pedindo o máximo de bilhetes permitido.
Aqui não está em causa a política, está em causa a reconhecida relação de Trump com as redes sociais, principalmente o Twitter, e a forma como foi enganado. E foi um engano tão competente que o próprio Trump disse, na televisão, que o evento, com lotação para 19 mil pessoas, teria recebido um milhão de pedidos de ingresso.
O entusiasmo foi tanto que se montaram palcos adicionais no exterior do local.
O resultado? Nem metade dos 19 mil lugares ocupados. O aparato das televisões não cobriu o sucesso previsto, acabou por mostrar um fiasco memorável.
Lição para todos nós
As redes sociais são importantes, têm um papel extremamente relevante para quem organiza eventos, mas, da mesma forma que likes não pagam contas, inscrições em eventos gratuitos não significam presenças efetivas.
É preciso (re)pensar os eventos que organizamos, preparar a ligação com o público que queremos atingir, e criar uma relação de responsabilidade bilateral: quem organiza tem a responsabilidade de cumprir o que anuncia, quem se inscreve tem a responsabilidade de comparecer. E isso não funciona a 100% com eventos de inscrição gratuita, como não funciona com redes sociais.

Eventos e Redes Sociais (Parte I)

Ao longo dos últimos anos, com o poder que as redes sociais foram ganhando, foi possível observar fenómenos das mais distintas dimensões, como a Primavera Árabe ou como um luau na praia entre grupos de amigos. É a organização de eventos na ponta dos dedos.
Mas, todas as maravilhas que conseguimos com a facilidade proporcionada pelas ferramentas digitais são acompanhadas por detalhes que podem gerar resultados negativos.
De memória, consigo recordar um episódio bem simples. Um pedido de ajuda bem simples de um amigo, para marcar um evento de campanha. Acontece que eu estava no Brasil, o evento era em Portugal. Um pequeno detalhe de fuso horário fez com que o evento tivesse sido criado para a hora errada. Felizmente alguém viu, avisou, e alterei de forma rápida. Felizmente, mesmo com várias pessoas confirmadas, ao alterar os detalhes do evento (hora, local…), depois o aviso é atualizado.
Mas, vamos falar de algo bem mais sério?
Em 2017, em conversa com o meu chefe de então, o debate era sobre o alcance das redes sociais e como ele, por um lado, desvalorizava as redes sociais, por outro, ficava extremamente empolgado ou desanimado com os números que eu enviava nos relatórios.
Como eu expliquei na época – e pouco mudou – é óbvio que prefiro ter 100000 pessoas que confirmam presença no evento que organizo, mas as redes sociais valem o que valem. Quantas pessoas clicaram que iriam por terem recebido o convite de uma pessoa amiga? Quantas gostaram do nome? Quantas clicaram por engano? Quantas confirmaram simplesmente por confirmarem tudo? No final, o que importa é o número de inscritos ou o número de pessoas que realmente marcam presença?
Se quisermos analisar números, podemos tirar algumas conclusões:
1. Um evento para 250 pessoas que tem 1000 confirmados ou 5000 confirmados, no final, tem 250 pessoas, no máximo. É importante ter pessoas atentas ao evento, garantir que seguem e querem saber sobre as próximas edições, mas a lotação está lá e, estatisticamente, analisamos e vemos que, no primeiro caso, conseguimos 25% de inscritos, no segundo apenas 12,5% de inscritos. Mas, na hora do evento, em números reais, temos sempre lotação completa e objetivos atingidos.
2. Um evento de nicho, cuja divulgação é erradamente dirigida, vai originar uma ilusão estatística. Falando da minha experiência, quando um cliente quer o seu evento com um público X no local Y, há várias informações que deve considerar.
a) ter um número significativo de pessoas de público não-X do local Y…vale zero.
b) ter um número nulo de pessoas do local Y…vale zero.
c) ter um número significativo de pessoas do público X, de locais que não são Y…é complicado
   i. se o local for distante, o interesse e a concretização do interesse podem não casar. Risco de não atingir resultados: grande.
   ii. se o local for no estrangeiro, exigir visto, câmbio, viagem, hotel, as variáveis são muitas e o risco de não conseguir resultados é muito grande.
Portanto, ainda que o evento tenha ótimos números online, ainda que gere interesse, ainda que consiga confirmações, ainda que tenha pessoas que confirmam presença por genuinamente quererem estar presentes, na hora H, conta quem se inscreveu e apareceu.
3. Um evento gratuito, em que os inscritos não tiveram qualquer despesa, em que não têm nada a perder se não estiverem presentes, funciona exatamente da mesma forma que a confirmação em redes sociais. Confirmam 1000, aparecem 100. Como avaliar? O que aconteceu? O que temos de alterar? Onde estivemos mal? Provavelmente não será possível saber. O perigo do no-show em eventos grátis é exatamente esse, não existe uma perda para quem se inscreveu e não apareceu.
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Sobre reputação

Oscar Wilde

There is only one thing in the world worse than being talked about, and that is not being talked about.”

É relativamente simples encontrar várias adaptações deste epigrama, umas mais famosas, como “Any publicity is good publicity”, ou “Falem bem ou falem mal, falem de mim” ou, os mais tradicionais “Quem não aparece esquece” e “Quem não é visto não é lembrado”.

As redes sociais acabam por potenciar essa visibilidade, por isso, quem pretende assumir um papel de relevo na sociedade ou na sua área profissional ou acadêmica, tem uma ferramenta útil e eficaz à sua disposição.

Pessoalmente, sou defensor da criação de uma reputação pela positiva, por isso, a expressão “Falem bem ou falem mal, falem de mim” não se enquadra na minha forma de trabalhar e de pensar. Mas isso não significa que a lógica não resulta. Resulta e tem permitido construir a popularidade de celebridades sem qualquer tipo de competência, ou de políticos sem carreira, ou com projetos vazios ou assentes em visões pouco convidativas.

Observemos o caso da companhia aérea Low Cost Ryanair. Em agosto de 2013, o CEO da Ryanair, Michael O’Leary, disse que “Short of committing murder, negative publicity sells more seats than positive publicity”. Ou seja, tirando homicídio, qualquer tipo de publicidade negativa ajuda a vender mais do que publicidade positiva. A má qualidade do serviço da companhia aérea é a imagem de marca da Ryanair desde os primórdios, mas sempre tiveram bons resultados comerciais. Nem mesmo após inúmeros cancelamentos de voos ou da guerra com pilotos na praça pública os números da operadora foram afectados. Até que, em 2017, a Core Media avaliou a marca e ficou claro que o público e os clientes – que a Ryanair sempre gostou de chamar de convidados/guests – não tinham uma visão positiva, aliás, ao pico positivo de visibilidade da marca, correspondeu o pico negativo de sentimento pela marca. E a consequência? A concorrência navegou no céu aberto pela queda da Ryanair.

É claro que isso não tem o mesmo impacto em determinadas áreas, como a área artística. A italiana Benetton surfou a onda das imagens chocantes e impactantes durante anos, sempre com altos benefícios para as suas vendas, até ao dia… Diversos contratos cancelados e um diretor criativo despedido depois de uma campanha que usou presos no corredor da morte como modelos. Já Madonna conseguiu turbinar a sua imagem e reputação com o livro Sex ou o álbum Erotica. Isso leva à pergunta: quais são os limites da má publicidade? Ou: onde fica o limite entre o impactante e o chocante?

Passando para algo mais recente, podemos ver como escândalos sexuais vão destruindo carreiras de sucesso de realizadores, produtores ou atores, atletas e treinadores. Ainda assim, algumas personalidades parecem estar imunes a esse tipo de escândalo.

Mas, no Brasil, após 2018, surgiram casos muito interessantes.

  1. Havan.
    O dono é conhecido por usar um modelo de negócio ultrapassado casado com um modelo de vendas inovador, envolvido em escândalos de dívidas renegociadas a mais de 100 anos, suspeito (se bem que o próprio assume) de pagar campanhas de fake news para eleger um político, enquanto a Receita Federal anunciou a sonegaçáo de impostos, a juntar a dividas trabalhistas, culminando com a campanha fervorosa para que as pessoas não ficassem em casa, ignorando as recomendações das autoridades sanitárias. As vendas da Havan subiram em 2019.
  2. Madero.
    Um dos sócios do Madero, Junior Dusrki, fez o mesmo que o dono da Havan, Luciano Hang, mas não teve a mesma sorte. Após demitir 600 funcionários, decidiu dizer que a economia não podia parar por causa de “5 ou 7 mil que vão morrer”. De nada adiantou a explicação posterior, a onda de indignação nas redes sociais foi evidente. Também não terá ajudado que o despedimento de funcionários tenha ocorrido após garantir que iria manter empregos.
  3. Giraffas.
    Aqui o exemplo é bem diferente. Carlos Guerra, dono da rede de lanchonetes, afastou o próprio filho da empresa, após Alexandre Guerra, que já havia sido CEO da empresa, ter postado no Instagram um texto em que se dirigia aos funcionários que tinham ficado de quarentena, dizendo que deveriam estar com medo de perder o emprego. Percebendo o posicionamento político do filho, Carlos foi rápido e separou a empresa da posição de Alexandre.
  4. Wizard.
    Não sendo uma figura escondida, Carlos Wizard nunca assumiu uma posição de destaque, embora seja milionário, dono de diversas redes (escolas, lojas…) e colabore com o atual governo brasileiro desde antes das eleições. De conselheiro, discreto, passou a cotado para a posição de secretário. As primeiras palavras após o anúncio da possibilidade foram infelizes e quase parecia tentar o bingo de polémicas mais rápido do mundo. A defesa da cloroquina, as quatro guerras, que incluíam a ideológica, a acusação de que quem era contra a posição do governo no combate ao novo coronavírus tinha motivações puramente políticas, o anúncio da suspensão dos contratos internacionais de compra de respiradores (desmentido no mesmo dia), levaram à contestação popular e Wizard, provavelmente ponderando o impacto negativo nos seus negócios, publicou uma nota em que informou o afastamento do ministério.

Do outro lado, quem aposta em boa publicidade através de comportamento de marca associado a conceitos e ações positivas:

  1. Reserva.
    O CEO, Rony Meisler, fundou a marca de roupas Reserva, e tenta praticar o capitalismo consciente. Além de buscar o lucro, incentiva a produção local, promove dialogo sobre questões sociais e investe na capacitação dos colaboradores. Além disso lançou a campanha 1P=5P, que significa, na prática, que, por cada peça vendida na Reserva e Reserva Mini, são entregues cinco pratos de comida para quem tem fome.
  2. Melissa.
    A marca Melissa e eu nascemos no mesmo ano. De 1979 até à década de 90, era uma marca que vendia um tipo de produto – melissa aranha – e usava as novelas como meio de chegar ao público jovem. Em 1994, veio o reposicionamento de marca. Mais modelos, mais consumo e, principalmente, o fim da ideia de um produto que serviria apenas para aquele momento da vida. As melissas passaram a ser algo para a vida, deixaram de ser descartáveis ao final de um tempo.
  3. Boticário.
    Produtos de beleza. Futilidade? O Boticário mostrou que não queria ser apenas uma marca de produtos para a beleza estética. Por isso, decidiu passar uma mensagem de que a beleza é algo além da aparência. E não ficou por aí, adotou uma posição de defesa da diversidade, com campanhas como a “Toda forma de Amor”, no Dia dos Namorados, destinada a casais de todos os credos e sexualidades.

Para quem pretende se posicionar no mercado profissional na era das redes sociais, é fundamental perceber se é mais importante ter publicidade ou ter boa publicidade.

Acredito no valor da reputação construída em alicerces sólidos como a carreira profissional, contribuição para a sociedade, partilha de conhecimento enriquecedor, para citar alguns exemplos. Criar buzz pelo buzz é arriscado e pode ter repercussões negativas. O caminho mais fácil pode dar muito trabalho, mas não dará, com toda a certeza, dois trabalhos: o de fazer, e o de desfazer, e muito menos, três trabalhos: o de fazer, o de desfazer, e o de refazer como deveria ter sido feito.

6 dicas para driblar a crise na saúde brasileira

Todos os indicadores levam o Brasil a procurar soluções para o cenário de crise que atravessa e que deverá se agravar. Os diversos setores buscam otimizar recursos e diminuir despesas, criar novos modelos de gestão e equilibrar a contabilidade para encarar a tempestade econômica brasileira.

As instituições de saúde tentam se organizar e procuram quem as possa auxiliar. Antônio Carlos Kronemberger, Diretor Acadêmico e de Soluções Corporativas e EAD do Grupo Ibmec, é co-autor do livro “Marketing em Organizações de Saúde” e dá seis dicas para conseguir driblar a crise numa área responsável por quase 10% do PIB nacional. O setor de saúde no Brasil registra uma inflação anual de 18%, o que traduz uma considerável falha entre custos e preços. Exigem-se soluções, são necessárias para não cair no buraco da crise que parece querer engolir a economia brasileira e levar a saúde e suas instituições junto.

Numa lista de importantes dicas, a luz ao fundo do túnel pode ser surgir através de aprimorar a alocação de recursos humanos ou dotar de mais eficácia o tipo de serviços prestados serão preciosas ajudas na hora de superar os desafios que se avizinham.

1.Olhar com muita atenção o sistema de custeio e entender corretamente o negócio

O objetivo é fim de reduzir o gap entre custos que aumentam mais do que os preços, destruindo valor (a inflação médica este ano está em 18%). O que acontece é que os custos aumentaram muito, em função, em grande parte, da tecnologia ser “dolarizada” e o mercado não consegue absorver esse aumento de custos nos preços. É necessário olhar para dentro e ver de que maneira pode se trabalhar esses custos para reduzir esse gap.

A administração da farmácia, chamada farmácia central, que normalmente tem diversos remédios escolhidos por cada médico, deverá ter um número reduzido de remédios de diferentes marcas de um determinado princípio ativo. Dessa forma o hospital tem maior capacidade de negociação junto do fornecedor, tanto para remédios como para insumos, pedindo maior número de um determinado produto de certa marca.

A dose única é um outro exemplo. Por meio de tecnologia, consegue fazer com que a enfermeira vá uma vez só por dia no apartamento ou quarto do paciente e coloque lá todos os medicamentos daquele dia, com o respectivo horário.

2. Alterar o modelo de pagamento dos prestadores de serviço

Mudando o modelo de pagamento com base em atendimento para pagamento por serviço com sucesso/resolução do problema ou fazendo um mix entre os dois modelos. Hoje em dia, o prestador é pago por atendimento. Através do plano de saúde, o paciente vai no médico ou na fisioterapia e são atendidas quatro pessoas em uma hora, pois é pago por atendimento. Se passar a remunerar isso pelo êxito ou pelo mix entre êxito e atendimento, certamente esse atendimento vai ter uma quantidade menor e melhor. Com isto, melhora a resolutividade como reduz custos. É uma operação que agrega valor para toda a cadeia, para o paciente, para o médico e para a operadora.

3. Montar a solução em função do usuário ou paciente e não focar apenas nos recursos disponíveis.

Atualmente as soluções dos problemas são oferecidas de forma isolada e com foco apenas nos recursos disponíveis, quando, na verdade, deveriam ser de forma integrada, sempre com foco no paciente. Por exemplo, quando você vai no médico com dor de cabeça. O médico diz que a causa é um problema de visão e encaminha para um oculista. Você escolhe um oculista, marca a consulta e o oculista analisa e fala que o problema é na retina. Então você vai para um especialista de retina. O especialista de retina diz que você precisa de uma cirurgia, então você tem que procurar um cirurgião. É necessário focar nos recursos disponíveis. Se você efetivamente no primeiro atendimento já consegue encaminhar diretamente, o resultado vai ser mais rápido, melhor e menos custoso, com uma percepção de valor muito maior.

4. Buscar o equilíbrio entre pessoas, tecnologias e processos.

A partir do diagnóstico correto da necessidade, a solução deve ser oferecida por meio do balanceamento entre pessoas (competências), tecnologias e processos. Se for algo simples como, por exemplo, alguém que quebrou um dedo. É um atendimento relativamente simples, baseado em protocolo de atendimento. A pessoa tem que fazer uma radiografia e engessa o dedo a partir do diagnóstico do médico, é algo bem processual. Nesse caso tem mais processo do que tecnologia. Num segundo caso, você precisa de um diagnóstico mais profundo, vai fazer um exame de imagem tridimensional, algo que requer mais tecnologia. Existe um técnico que opera a máquina, estamos falando de um aparelho que custa centenas de milhares de dólares, operada por uma pessoa com um salário de 2 mil reais. Agora, se você vai para uma cirurgia de alta complexidade, é muito mais na competência da equipe médica do que em tecnologia ou processos. É preciso fazer uma seleção, decidir o que é mais focado em tecnologia, o que necessita mais de processos ou o que requer mais competências.

5. Segmentar o tipo de atendimento.

Esta dica complementa a anterior. O atendimento deve ser segmentado com base no usuário, baixa, média ou alta complexidade, por especialidade ou por outro critério que faça sentido e seja relevante. Se você faz o levantamento do tipo de atendimento, isso permite selecionar naturalmente o tipo de assistência, criar uma otimização e direcionar de forma eficaz o paciente, poupando tempo e recursos.

6. Focar mais na prevenção e promoção de saúde do que nos tratamentos.

Partindo do velho ditado “é melhor prevenir do que remediar”, sai muito mais barato acompanhar o paciente que sofre de pressão alta, estimular para que faça exercício e tenham uma alimentação regrada, do que depois suportar o internamento. Apostar na educação das pessoas para que sigam um estilo de vida saudável e dessa forma não necessitem, por exemplo, de internamento. Olhando para o caso da AMIL, ela percebeu que 5% dos seus segurados correspondia a 35% dos seus custos. Esses 5% correspondiam a doenças crônicas, diabetes, hipertensos, que necessitam ir regularmente ao hospital e requerem tratamentos constantes, então, ela criou um produto que corresponde a um atendimento diferenciado, na sua rede própria e tem uma abordagem preventiva. Essa solução representa uma redução importante nos seus custos.

Publicado no LinkedIn
Publicado em HunHu
Publicado no Portal DiagnósticoWeb
Publicado na Revista Diagnóstico

Arlen Meyers “Hospitais liderados por médicos são mais lucrativos”

Para o CEO da SoPE — Sociedade de Médicos Empreendedores (Society of Physician Entrepreneurs) –, médicos têm cada vez mais a oportunidade de descobrir que aprender a fazer negócios é tão importante quanto se aprofundar na prática clínica.

A velha máxima de que o médico é um péssimo empresário não passa de um mito perpetuado por consultorias que, claramente, querem lucrar com essa linha de pensamento. A frase polêmica é do médico americano Arlen Meyers, CEO da SoPE — Society of Physician Entrepreneurs (Sociedade de Médicos Empreendedores, em tradução livre) –, com sede no estado da Connecticut, costa leste americana. Meyers, que continua exercendo a profissão, apesar de dedicar grande parte do seu tempo à consultorias e à docência, defende categoricamente que um sem fim de médicos mundo afora são muito proficientes no exercício do empreendedorismo. “Hospitais liderados por médicos são mais lucrativos e têm melhores resultados financeiros do que aqueles dirigidos por quem não é médico”, garante o dirigente. “O contrário disso é um mito disseminado, em larga medida, por consultorias interessadas em vender seus serviços”. Mas há um aliado nesse processo de “desinformação”, acredita ele: as faculdades de medicina, que formam mal seus estudantes e “enterram cada vez mais a cabeça na areia”, quando assunto é o estímulo ao empreendedorismo. Para Meyers, o “Negócio Saúde” e as novas tecnologias deveriam ser parte da educação de todo estudante de medicina. “É negligente toda faculdade de medicina que não prepara os futuros médicos para as novas ferramentas tecnológicas e para os desafios de gestão na área da medicina”, provoca o docente, para quem as grandes corporações de tecnologia global, a exemplo da Google, Apple e IBM vão ter um peso cada vez mais influente na forma de se fazer a medicina moderna. Mas como será esse futuro médico, misto de aconselhador, detentor da técnica e de um olhar mais “digital”? “Serão profissionais que não irão tratar os pacientes, mas cuidar também de toda a informação fornecida pelos pacientes”, descreve Meyers, em tom professoral. “Esse, aliás, passará a ser um ponto de dados. E o médico, em grande medida, o gestor dessas informações”.

“Encontrei” Meyers na cidade de Denver, bem no coração do Colorado. Às 10h da manhã — horário local –, ele atendeu para falar sobre o futuro da medicina, inovação, tecnologia e empreendedorismo.

Médicos lideram os cinco melhores hospitais dos Estados Unidos, segundo a AAPL (American Association of Physician Liaisons). A expertise clínica conta pontos para o gestor da área da saúde?

Arlen Meyers — Hospitais liderados por médicos são mais lucrativos e têm melhores resultados financeiros do que aqueles dirigidos por quem não é médico. Estamos falando de grandes sistemas hospitalares. Minha experiência diz que entregar aos médicos a missão ou visão do hospital pode ser mais fácil se ele tiver a mentalidade de um líder munido de cultura e entendimento dos detalhes do sistema. É como se um de nós estivesse liderando uma organização depois de já ter estado lá, sabendo como tudo funciona. Parte desse mérito tem a ver, obviamente, com a credibilidade clínica. Fundamentalmente, médicos olham para seus líderes assistenciais por sua credibilidade, mas não fazem o mesmo paralelo na área administrativa.

Existe a ideia de que um médico gestor só pode assumir uma destas funções: ou lidera ou se dedica à assistência. Como quebrar essa linha de pensamento?

Meyers — Em primeiro lugar, é importante definir os termos. Basicamente, estamos falando de médicos que são técnicos e estão na linha da frente tratando pessoas. Em algum momento da carreira, esses profissionais evoluem para a função gerencial, o que os obriga naturalmente a saber otimizar recursos para obter o máximo de eficácia. No passo seguinte, se tornam líderes, conduzindo a visão, direção e inspiração do negócio. O nível acima desse é o do empreendedor, que cria valor e o transfere aos stakeholders. Acho que os médicos têm capacidade plena de seguir essa trajetória. E podem exercer todas as funções concomitantemente ao exercício da medicina. Porém, apenas um número muito reduzido é capaz disso. Quando falamos da evolução ao papel de empreendedor, o número de médicos com essa mentalidade é extremamente limitado, inclusive o de líderes empreendedores. Encontrar um médico que seja líder e tenha mentalidade empreendedora é raríssimo.

Acha que as faculdades de medicina podem contribuir com esse processo?

Meyers — Existe uma lógica segundo a qual todos temos algo que faz parte de nossa natureza e algo que é desenvolvido ao longo da vida. Em parte, ter uma mentalidade empreendedora é um traço de personalidade. Por essa perspectiva, a resposta é não: ou a pessoa tem essas características ou não tem. Por outro lado, alguns indivíduos possuem essas características, só que não completamente desenvolvidas. Para eles, claro, podemos criar um ambiente propício ao desenvolvimento dessas qualidades.

O que dizer aos defensores da tese de que a faculdade de medicina não é lugar de ensinar a fazer negócios?

Meyers — Praticamente nenhuma faculdade de medicina ensina a fazer negócios. Do meu ponto de vista, isso é negligência educacional. O ambiente na área da saúde é tão complexo e mutante que eu não diria que aprender a prática de medicina é mais importante do que aprender sobre o “business da saúde”. Diria que é algo que deveria fazer parte da educação de todo estudante de medicina, mesmo na fase de residência médica. Ao não fazer isso, as faculdades de medicina estão enterrando a cabeça na areia na esperança de que o problema desapareça. Quando muito, a tendência é a de que vá piorar.

Os cursos de medicina precisam diversificar as matérias da grade tradicional ou o ensino de negócios deve ser complementar, tratado na pós-graduação?

Meyers — A maioria dos profissionais do ensino de medicina já reconhece que o sistema não está proporcionando aos alunos as competências de que necessitam para serem bem-sucedidos e cuidarem de suas respectivas comunidades. As pessoas estão tentando entender como redefinir e alterar os programas para dar aos estudantes conhecimentos, competências e habilitações que garantam um aprendizado satisfatório. A meu ver, é necessário incluir saúde digital na grade curricular, assim como as ferramentas de gestão empresarial e empreendedorismo na medicina. Mas não a um extremo em que se desloque o cerne do conhecimento médico científico, que é um requisito indispensável para se cuidar do paciente. No entanto, ignorar totalmente novas vertentes na dinâmica da formação médica é uma irresponsabilidade. Creio que mais estudantes estão chegando à faculdade com a ideia de que não querem exercer a medicina por 40 anos — e alguns sequer querem ser médicos. Se abrirmos o processo de admissão a pessoas que não têm a menor intenção de exercer a medicina e querem um MBA para terem credibilidade clínica, essas pessoas estarão apenas interessadas em criar uma empresa ou montar um negócio na área da saúde. A vida clínica média, isto é, o número de anos em que os médicos exercem a profissão, acredito, será mais curta. Estudantes de medicina saltarão entre diferentes carreiras ou mesmo entre empregos, e mais médicos vão querer clinicar em tempo parcial. O fato é que nós, como academia, não estamos providenciando a plataforma que esses estudantes necessitam para atingir seus objetivos. E precisamos fazer isso, logo. Caso contrário, veremos cada vez mais insatisfação nos médicos, assim como depressão, esgotamento e até suicídio. Nós não estamos nos adaptando às necessidades do mercado.

Arlen Meyers, em São Paulo, 2016

Há anos existe um consenso de que um executivo hospitalar deve vir do mercado, pois o médico enfatiza demais a excelência técnica e, por isso, abre mão do controle de custos. Concorda com essa visão?

Meyers — Existe um mito de que os médicos são péssimos nos negócios. Isso é absolutamente falso. Em primeiro lugar, é preciso detalhar o que significa ser péssimo para negócios. Seria não saber ganhar dinheiro? O que é um péssimo investidor? Talvez aquele que não saiba como dirigir uma organização. Pessoalmente, lido com diversos médicos que são muito proficientes como empresários. Por isso, acho que existe um mito generalizado de que médicos são péssimos empresários. Isso, de certa forma, é conveniente para os prestadores de serviços que pretendem providenciar aconselhamento financeiro, pois enxergam nesses profissionais um alvo fácil. Discordo absolutamente dessa afirmação, que revela falta de visão. Francamente, considero-a insultuosa.

O que você acha da convivência entre médicos e não-médicos no conselho dos hospitais? É possível conviver com modelos híbridos?

Meyers — Isso é essencial para a bioinovação e o empreendedorismo. Faço parte de diversos comitês consultivos e conselhos de administração, trabalho com pessoal não-médico, técnicos, empresários, engenheiros, e acredito que quanto mais diversificado for o grupo, mais criativo será. Ter um médico no conselho é crucial para dar uma perspectiva clínica ou um melhor entendimento de uma questão clínica, seja em uma diretoria hospitalar ou em uma diretoria de empresa ligada à indústria. Na verdade, muitos dos problemas que estamos vendo na área da saúde digital são consequência de uma falha dos fornecedores, que não envolveram adequadamente os consumidores finais no processo de desenvolvimento dos novos produtos — e isso inclui pacientes e médicos.

O médico Robert Pearl disse em artigo recente que a maioria das startups da área de tecnologia da informação para a saúde tem uma falha embrionária: seus produtos são formados quase sempre por profissionais de informática, com escassa participação de médico, seja como desenvolvedores ou consultores. Por que isso ocorre?

Meyers — Porque essas startups são impulsionadas pelo retorno do investimento, e não pela eficácia clínica. A maioria dos produtos e serviços de saúde digital é criada e desenvolvida fundamentalmente graças a investidores e empreendedores de base tecnológica cujo objetivo é fazer a empresa crescer em escala o mais rapidamente possível. Francamente, eles não estão interessados em segurança dos dados, em segurança de tecnologia da informação para a saúde, e certamente, tampouco em eficácia clínica. A maioria dos produtos criados tem pouco ou nada a ver com o objetivo de trazer melhoria aos pacientes, e sim como ampliar o retorno e gerar cada vez mais lucro.

A entrada de gigantes tecnológicos como Google, Apple e Microsoft continuará a dar o tom sobre o futuro da medicina?

Meyers — Claramente. O futuro dos cuidados em saúde é migrar para tecnologias de interface, como comunicação social e de massa, telecomunicação e Big Data. Tanto a assistência quanto a gestão estão se tornando cada vez mais digitais. Portanto, para todos os efeitos, uma das megatendências é olhar para os pacientes como pontos de dados e para os médicos como gestores de dados. A interface entre ambos serão profissionais de dados e empresas especializadas em adquirir, analisar e distribuir essas informações. Estamos falando de empresas de telecomunicações, de conteúdo, de comunicação social. No futuro, os grandes players do setor de saúde não estarão necessariamente em hospitais, mas em áreas como telecomunicação, aeroespacial, Big Data e tecnologia. Veremos cada vez mais interfaces entre farmacêuticas, dispositivos, prestação de serviços de cuidados de saúde e essas tecnologias. Um exemplo é a Teva, de Israel, que fez um grande investimento em telemedicina. Eles não estão fazendo isso por acharem que é uma boa ideia e sim para expandir seu negócio e por acharem que essa é uma área em crescimento. Será cada vez mais difícil distinguir o que é tecnologia e o que é medicina. Teremos uma fronteira cada vez mais borrada. Acho que, no futuro, as Apples, os Googles e as Samsungs vão liderar a saúde em nível global.

Mesmo com as limitações impostas à telemedicina?

Meyers — Acredito que sim, apesar do desafio ser grande. Afinal, usar essas tecnologias em larga escala depende muito do ecossistema e de restrições regulamentares e legais. Há resistência principalmente com relação a reembolsos, licenciamento, credenciamento, pagamento e, também, com fatores humanos. Existem inúmeras barreiras à adoção e ao uso generalizado da telemedicina nas áreas rurais, por exemplo. Isso não é um problema exclusivo dos Estados Unidos. Países igualmente continentais como Brasil, China e Índia não conseguiram implementar projetos de medicina em larga escala de forma efetiva. O problema, nesse caso específico, está relacionado com infraestrutura, dinheiro, modelo de negócio e restrições regulamentares e legais.

A questão é discutida nos EUA desde o final da década de 50…

Meyers — A primeira patente de telemedicina, e sua primeira aplicação, aconteceu em meados da década de 1920. Ou seja, estamos quase celebrando cem anos da primeira utilização da telemedicina. Mudar qualquer sistema de saúde leva uma eternidade. Na América do Norte, você tem razão, o debate remonda os anos 50. Só muito recentemente, pelo menos nos Estados Unidos, os conselhos estaduais de medicina, legisladores estaduais e as autoridades federais começaram a remover algumas das barreiras para a implementação da telemedicina. Essas questões têm a ver com economia, política e diferenças regionais e culturais. A tecnologia existe há muito tempo e nunca foi o problema. O problema parte das pessoas e dos sistemas políticos e econômicos, que são os verdadeiros obstáculos.

Os médicos devem se adaptar a essas tecnologias ou é a tecnologia que deve ser desenvolvida para os médicos?

Meyers — Acho que deve haver um pouco de ambos. O propósito da tecnologia no setor da saúde é ajudar os médicos a cuidar dos pacientes ou ajudar os pacientes a cuidarem deles mesmos. Portanto, cada tecnologia de saúde deve ser analisada levando-se em conta se ela auxilia o médico a cuidar do paciente com eficácia ou se ajuda o paciente a cuidar de si e mostra resultados favoráveis e comprováveis. Se aplicarmos esse raciocínio às tecnologias disponíveis atualmente, apenas uma parte incrivelmente reduzida realmente cumpre o que se pede, particularmente em saúde digital. Elas simplesmente não ajudam os médicos a cuidar dos pacientes e não permitem obter resultados mais favoráveis.

Que tipo de suporte a SoPE dá aos médicos na organização ou no financiamento para empreender?

Meyers — A SoPE é a maior rede global, sem fins lucrativos, de empreendedorismo e inovação biomédica e em saúde. Nossa missão é ajudar os membros, cuja maioria são médicos, a fazer suas ideias chegarem aos pacientes. Para isso, providenciamos educação, recursos, rede de contatos, mentores, aprendizado experimental e acesso a pessoas com capital para investimento, em um esforço para ajudar a impulsionar suas ideias. Fazemos isso a partir de uma rede internacional e oferecemos suporte a empreendedores para concretizar suas ideias.

E isso inclui também consultoria na área marketing?

Meyers — Sim. O conceito de empreendedorismo médico engloba vários elementos. A área de marketing e vendas — seja de uma entidade, consultório ou outro negócio ou de um produto voltado ao sistema de saúde — está dentro do espectro de competências que ensinamos. Também ligamos nossos membros aos especialistas em cada campo. Nossa vocação é criar plataformas de apoio ao empreendedorismo.

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Michael Volkov “Empresas éticas são mais rentáveis”

Para o ex-promotor federal americano Michael Volkov — uma das vozes mais relevantes dos Estados Unidos quando o assunto é a adoção de políticas de compliance –, as empresas e os indivíduos querem fazer a coisa certa. Trata-se apenas, segundo ele, de se dedicar tempo, recursos e atenção para esta missão.

O ex-promotor federal americano Michael Volkov é uma das vozes mais relevantes dos Estados Unidos quando o assunto é a adoção de políticas de compliance em grandes organizações. Depois de 17 anos agindo nos tribunais para incriminar empresas não-éticas, Volkov decidiu ser consultor de empresas interessadas em saber os meandros para se tornar exemplos de obediência à lei. “A cultura de ética deve ser transversal a qualquer tipo de empresa. E a indústria de healthcare não é exceção”, defende o advogado, CEO da Volkov Law. Segundo ele, as empresas e os profissionais de saúde estão cada vez mais na mira das novas políticas do DOJ (Departamento de Justiça Americano), que tornaram a vigilância mais agressiva e as penas mais pesadas.

Amante de viagens, artes e atividades filantrópicas e um ávido jogador de tênis, Volkov aceitou responder às seguintes questões em Julho de 2015.

Começou sua carreira na área jurídica em 1982 e, desde então, muita coisa mudou na política, direito, ética e compliance. O que de mais relevante ocorreu no EUA ao longo desse período?

Michael Volkov — Em 30 anos de carreira, tenho visto mudanças significativas na política, direito, ética e compliance americano. Em primeiro lugar, tem havido um enorme aumento do volume e da natureza das ações penais de empresas e indivíduos por crimes de colarinho branco, incluindo suborno, fraude, Anti-money Laundering — antilavagem de dinheiro, em tradução livre –, e violações antitruste. Os processos criminais substituíram os processos civis como motor principal de execução, dissuasão e prevenção. Em segundo lugar, em resposta a esta tendência significativa, nos últimos dez anos temos visto o risco à crescente importância do compliance como uma função estabelecida de governança corporativa. Com o aumento da responsabilidade penal para executivos e gerentes individuais, as empresas se voltaram para a ética interna e programas de compliance. Profissionais de compliance são, atualmente, os profissionais mais procurados para muitas indústrias, incluindo farmacêuticas, dispositivos médicos, prestadores de serviços — hospitais, por exemplo –, instituições financeiras e empresas de petróleo e gás.

Como sua experiência de ex-procurador federal influencia na sua carreira de advogado?

Volkov — A minha experiência anterior como procurador federal — atualmente estou aposentado — colocou-me em uma posição única. Porém, mesmo conhecendo todas as evidências que um promotor procura e precisa para construir um caso criminal, busco levar para meus clientes a noção de que ser um ator non compliance não compensa. Naturalmente, sou procurado por empresas interessadas em fugir de uma condenação ou simplesmente ter uma pena reduzida em ações da Justiça americana. Ter sido procurador federal, obviamente, me auxilia no domínio da técnica. Afinal, estive do outro lado. Sei como funciona.

Os funcionários de empresas éticas não mais fiéis?

Volkov — Sim e por razões bastante óbvias. Os colaboradores de empresas éticas acreditam na organização e na sua liderança. Eles são mais produtivos e menos propensos a deixar uma empresa que é referência em compliance. Com taxas de rotatividade mais baixas e maior produtividade, empresas éticas são mais propensas a aumentar o desempenho financeiro e a rentabilidade.

Algumas corporações são reincidentes, outras criam seus próprios códigos de compliance, mas, ainda assim, não “praticam o que pregam”. Pode comentar?

Volkov — Você identificou dois dos maiores problemas de compliance em muitas indústrias. Algumas são reincidentes porque sofrem de graves deficiências culturais que geralmente se refletem em forma de infração de suas regras de compliance por parte do conselho, CEO e da alta administração. “Programas de compliance de papel”, que nunca são postos em prática, em alguma medida também têm ligação com deficiências na cultura ética da organização. Ambos os problemas continuam atormentando as empresas — percebo a ocorrência de mais “programas de papel” do que empresas reincidentes em ações non compliance. Mas é preciso dizer que as consequências colaterais para as empresas que violam a lei estão aumentando em todo o mundo e as ações judiciais, por parte de acionistas “lesados”, estão aumentando rapidamente em número e exigências. Como resultado, as empresas estão percebendo que gastar dinheiro em compliance é um bom investimento. Cada vez melhor do que as sérias consequências da execução penal por imposição governamental ou consequências colaterais de litígios entre particulares. Defendo regularmente que empresas comprometidas com as regras de compliance devem começar por criar uma cultura ética em primeiro lugar. Empresas detentoras de princípios morais têm menor incidência de má conduta e são mais propensas a relatar internamente casos de má conduta.

O senhor costuma defender que os CCOs do setor de healthcare precisam ser elevados e fortalecidos. Eles têm o título, mas faltam recursos. O que pode ser feito?

Volkov — Os CCOs do mercado de healthcare têm uma história muito incomum. Há muito tempo, na década de 1990, o governo americano reconheceu a importância de capacitar um CCP (Certified Compliance Professional) independente e separado do departamento jurídico. Eles insistiram em cada acordo que CCO deveria estar separado do departamento jurídico e lhe deveria ser dada maior autoridade fora do departamento jurídico. Infelizmente, na prática, o CCO tornou-se um agente “estagnado”, com autoridade e recursos inadequados. Só agora estamos vendo algumas melhorias no estatuto do CCO em empresas de healthcare. Os conselhos de administração têm estado adormecidos em muitas dessas questões e não conseguiram resolver os problemas de forma proativa. Com um ambiente de aplicação agressivo desse tipo de política, direções de grandes empresas já começaram a abordar esta questão e a exigir melhorias nas funções globais de compliance, incluindo a elevação de CCO a uma nova posição.

 

 

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M. Volkov “Estamos num caminho para uma maior “iluminação” das atividades de compliance. E essa será uma jornada incrível”

 

Acredita verdadeiramente que o compromisso das direções é o ingrediente que falta para tornar o setor de healthcare mais ético?

Volkov — Sim. Eu vejo muitas palavras “da boca para fora” sobre a importância da ética e do compliance, mas há pouca ação. Os conselhos de administração devem tornar-se mais ativos no exercício da sua supervisão e do seu monitoramento de responsabilidades.

Você definiu as cinco etapas que o DOJ (Departamento de Justiça Americano) está usando para lutar contra fraude de saúde. Poderia explicar como cada uma funciona?

Volkov — Estamos falando de um processo que tem cinco fases: primeiro, focar nos provedores, depois, seguir o dinheiro, usar todas as ferramentas, cobrar dos profissionais, e, finalmente, qualidade da assistência. Atualmente, o DOJ se baseia em um modelo de pay-and-chase (pagamento e caça, em tradução livre) para combate à fraude. Por outras palavras, eles pagam ao provedor, em seguida, investigam o provedor baseado em padrões e montante dos pagamentos, procuram saber se ele ou ela está cometendo uma fraude, e em seguida, procuram/caçam o provedor para processar criminalmente e/ou civilmente para recuperar a verba. O modelo de pay-and-chase, por definição, é ineficiente e malsucedido como enquanto real dissuasor para acabar com a fraude. O DOJ está processando, após o fato consumado, os médicos e outros prestadores de fraude, mas continua perdendo dinheiro na equação; usando o conjunto completo de ferramentas de investigação penal (gravações camufladas, informantes, mandados de busca, etc), e agora trazendo casos criminais e civis por má qualidade do cuidado como um tipo de fraude cometida contra o governo, o que significa que eles estão fornecendo assistência sem a qualidade mínima aos doentes, mas cobrando do paciente/governo por tais serviços. Uma estratégia mais eficaz é uma abordagem proativa. Antes de uma agência seguradora privada ou governamental pública pagar uma conta médica para um provedor, é preciso haver etapas de due diligence (vigilância, em tradução livre) proativas para verificar quem o provedor é, se tem um escritório, se realmente presta serviços, e se legalmente tem direito a receber o dinheiro. Quanto mais dinheiro for gasto em investigações proativas e pré-pagamento, mais frequentemente os pagadores privados e públicos podem identificar potenciais riscos de fraude e evitar a perda de dinheiro.

O senhor escreveu que não podemos olhar para o compliance apenas como um centro de custo — um meio importante para melhorar o desempenho financeiro da organização e reputação de integridade. Reputação custa dinheiro ou atrai o dinheiro?

Volkov — A reputação protege uma empresa por incutir uma visão positiva da empresa nos colaboradores, clientes, fornecedores e vendedores. Em muitos casos, as empresas sofrem mais devido a danos reputacionais do que por encargos financeiros de uma multa. Investir em compliance é uma forma de promover a rentabilidade financeira através da criação de uma cultura ética, e criando uma imagem que a empresa pode apresentar aos stakeholders externos. Isso é importante para promover uma empresa junto dos seus stakeholders e de sua comunidade.

Depois de todos os casos com que lidou desde 1982, tanto com o DOJ quanto como profissional autônomo, consegue ver a luz no fim do túnel? Há esperança para o setor de healthcare?

Volkov — Existe, sem dúvida. Pela primeira vez em nossa história, o compliance é uma parte integrante da nossa estrutura de governança. Há muito trabalho a ser feito, mas estamos no caminho certo. As empresas e os indivíduos querem fazer a coisa certa. Trata-se apenas de se dedicar tempo, recursos e atenção para esta missão. O governo tem muito poder e muitas ferramentas para garantir que isso aconteça, mas toda a aplicação da lei no mundo não pode trazer uma mudança dramática sem o apoio, empenho e engajamento dos órgãos sociais, comunidades, CEOs, executivos e profissionais de compliance. Estamos em um caminho para uma maior “iluminação” das atividades de compliance. E essa será uma jornada incrível.

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Sarfaraz Niazi O ‘Senhor Moustaches’

O indiano Sarfaraz Niazi, CEO da Pharmaceutical Scientist, foi considerado pela Forbes “o homem mais revolucionário da saúde”. Mas, Niazi — e seu bigode que se tornou marca registrada — é também um executivo fora dos padrões.

Sarfaraz Khan Niazi não é o típico CEO. Não esperem dele a tradicional foto de gravata, terno, de braços cruzados, na usual pose de liderança. A personalidade de Niazi tem o reflexo perfeito na sua imagem. O bigode, os chapéus e os suspensórios estão estreitamente identificados com a postura do homem que a Forbes considerou “o mais interessante e revolucionário do mundo da saúde, em 2014”.

O indiano, natural de Lucknow, região norte da Índia, é presidente da Therapeutic Proteins International (TPI) — holding com atuação global na fabricação de medicamentos recombinantes, também conhecidos como biossimilares. Considerado a mais nova fronteira da indústria farmacêutica, esse mercado vem causando furor no trade de saúde pela sua capacidade disruptiva de prover soluções medicamentosas a um custo infinitamente menor. E Niazi e suas empresas são a personificação desse processo. Recentemente, o empresário, escritor e pesquisador radicado em Chicago há mais de dez anos, lançou um novo livro, dedicado ao seu “amigo Barack Obama”. Na obra, ainda sem tradução para o português, Niazi descreve seus esforços em tornar os medicamentos acessíveis para o Affordable Healthcare Act, o “Obamacare”. Para isso, ele sugere ao mandatário americano que acabe com a exigência de testes de bioequivalência para aprovar medicamentos genéricos. Em substituição, o governo deveria usar métodos de teste de equivalência ortogonais, que reduziriam substancialmente o custo da introdução de drogas equivalentes. Como resultado, defende Niazi, se aumentaria substancialmente a qualidade dos produtos no mercado. O objetivo seria ampliar o acesso a produtos biológicos, muito caros e de alta complexidade, para aqueles que não podem pagar.

Segundo o seu fundador, a TPI é uma empresa independente fundada com o objetivo único de ajudar o mundo.“A caridade começa com um coração das pessoas. É sempre importante partilhar o que podemos”, disse Niazi, em entrevista à Diagnóstico.

A redução dos preços dos medicamentos poderia levar as grandes farmacêuticas a enxergar a TPI como um concorrente “desleal”, mas alguns de seus investidores estão ligados a empresas farmacêuticas como a Amneal Pharmaceuticals LLC.

DIFUSÃO DOS BIOSSIMILARES

Um dos desafios para a popularização dos biossimilares é que, normalmente, a sua aprovação demora vários anos após a perda de patente de um medicamento biológico de referência (no Brasil, os biossimilares devem ser chamados de “biológicos”, enquanto os biológicos originais são chamados de “biológicos novos”).

Para perceber o interesse das farmacêuticas nesse novo mercado, basta comparar os custos de produção e de venda ao público de um medicamento de referência, um genérico e o seu biossimilar. Em geral, são gastos em média entre US$1 e 3 bilhões para desenvolver um novo fármaco de referência. Já o genérico pode ser desenvolvido investindo até US$1 milhão. No caso do biológico similar, os valores da produção ficam bem abaixo, em torno dos US$100 a 300 mil. As vantagens vão além. Os biossimilares permitem poupar tempo, já que o período de produção é reduzido para metade ou um terço do necessário em comparação com um genérico ou um medicamento de referência.

Perante a lógica “caridosa” de Niazi e da Therapeutic Proteins International, fica a dúvida sobre a rentabilidade empresarial, mas seu fundador diz que o modelo de negócio é totalmente diferente do universo de produtos farmacêuticos. “Os pacientes nos Estados Unidos estão prontos para os biossimilares e reconhecem os benefícios para o sistema de saúde”, enfatiza o indiano, que espera lançar seus produtos nos EUA em um futuro próximo. Não por acaso, a empresa vem investindo na sensibilização dos médicos e dos consumidores americanos quanto ao valor dos biossimilares e suas virtudes. A previsão da TPI é de que, uma vez que os médicos recebam informação adequada sobre a robustez do processo de regulamentação e tenham uma melhor compreensão sobre a segurança desses medicamentos, a mudança para biossimilares será automática.

Niazi usa a França como exemplo. Desde 2014, a legislação francesa tornou estes produtos intercambiáveis para novos pacientes. “O mercado futuro para esse tipo de medicamento será impulsionado principalmente pelo contribuinte francês”, prevê o empresário. Ele explica que no caso específico da França, o avanço dos similares biológicos está sendo acompanhado pela criação de formas muito mais econômicas de produzir medicamentos.

No Brasil, um estudo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), publicado ano passado, revela que o governo brasileiro tem investido na produção de biológicos e há uma estimativa de orçamento em torno de R$ 35 bilhões até 2016 para aquisição de medicamentos.

As informações ainda apontam a expectativa de que o país passe a produzir 14 biossimilares para doenças como hemofilia, esclerose múltipla, artrite reumatoide e diabetes. A previsão é de que até 2017, esses produtos sejam integralmente fabricados no Brasil. Atualmente, o país compra cerca de 60% de biológicos.

Até o momento, países desenvolvidos, como Austrália, Japão, Canadá e a maioria das nações europeias, já aprovaram biossimilares no mercado e já os utilizam há muitos anos. Os biológicos já representam cerca de US$160 bilhões em vendas globais. E, por escala, milhões de pessoas beneficiadas. “Apesar de reconhecer o impacto prático das minhas criações, meu maior legado está em conseguir motivar os jovens a ser criativos, pensar diferente e desafiar tudo”, sentencia o inventor, que possui mais 100 trabalhos acadêmicos e 700 livros técnicos e literários publicados. “E isso é mais gratificante do que qualquer outro ganho. Há sempre espaço para criatividade e simplificação de processos na área da saúde”.

Niazi explica que conseguiu inventar um processo que permite a produção simultânea de inúmeros produtos, em uma instalação relativamente pequena, com rápido aumento de escala. A técnica elimina a maioria dos investimentos de capital necessários para desenvolver uma instalação biológica mais tradicional. Trata-se de uma tecnologia que deve, segundo ele, abrir novas possibilidade para os pequenos desenvolvedores de novas drogas, incluindo instituições acadêmicas e governos. “Situações que exigem a produção de medicamentos e vacinas relacionadas com desastres seriam um outro nicho importante para os biossimilares”, salienta o pesquisador, que já ultrapassou a marca de 70 patentes registradas.

GENIALIDADE

“É impressionante a lista de pessoas que o chamam de amigo, desde o presidente do Irã ao presidente dos EUA”, disse à Diagnóstico sua esposa e secretária, Anjum Niazi. “Trabalhar com Niazi é divertido e fácil”, afirma Robert Salcedo, CEO da TPI. “Ele gosta que você tome medidas imediatas e volte com opções diferentes”. Salcedo destaca que a sua genialidade às vezes cria mais ideias do que uma pessoa normal pode lidar. “Ele olha para o mundo a partir de dentro, ao contrário da maioria de nós, que buscamos análises a partir do que é mais evidente”, comenta.

No meio das já numerosas ocupações, Niazi também gosta de partilhar vários pensamentos no seu blog e no Twitter (cujo avatar é um bigode). Um tema recorrente é justamente o Affordable Care Act, definido politicamente por Niazi como um modelo que vem tornando mais acessível a cara medicina dos EUA para milhões de americanos. “O Obamacare foi posto em prática com uma missão de permitir o acesso a cuidados médicos a uma grande parcela de americanos excluídos do sistema, além de fomentar a redução de custos de cuidados de saúde que estão em um caminho insustentável”, sentencia. “É exatamente o que eu almejo com minha contribuição, só que em escala planetária”.

Para Niazi, apesar da complexidade do sistema de saúde nos EUA, o esforço para tornar o mercado mais competitivo tende a beneficiar cada vez mais pessoas. Adicionalmente, acredita ele, normas legais sobre cuidados preventivos e expansão do seu acesso por um número mais alargado da população tem o potencial de reduzir os encargos para o sistema.

“Mesmo assim, o sistema de saúde nacional, universal e gratuito norte-americano é uma utopia”, garante o empresário. Segundo ele, a saúde nos Estados Unidos deverá permanecer como um sistema misto, ainda que mais includente, em um futuro próximo.

No caso de países emergentes como Índia ou Brasil, ele acredita que trazer os padrões de qualidade, mantendo tratamentos com custos acessíveis continuará a ser um desafio para o futuro. “É lamentável que algumas agências reguladoras apliquem os mesmos padrões de qualidade aos produtos biológicos e medicamentos de pequenas moléculas”, critica o indiano. “O resultado desse tipo de política pode ser bem mais prejudicial para os pacientes do que se possa imaginar”. Em dois dos seus livros, “Biosimilars and Interchangeable Products — from cell lines to commercial launch” e “Handbook of Bioequivalence Testing”, Niazi deixa conselhos valiosos aos países em desenvolvimento sobre como formular políticas robustas para garantir a qualidade dos medicamentos biológicos. Isso inclui a ação de certificadores, bem como a vigilância contínua de produtos fabricados localmente. “As agências reguladoras desses países podem desenvolver um caminho seguro. Mas isso exige um novo pensamento”, intui.

Sobre a capacidade de agir sempre de forma disruptiva, Niazi diz que o segredo é aproveitar a vida, algo que considera ser rejuvenescedor. “É preciso ter paixão por algo, o que permite encontrar maneiras de fazer as coisas de forma mais eficiente”, assegura ele, que aos 65 anos de idade acabou de correr pela primeira vez a maratona de Chicago. “Ajudar o próximo também me ajuda a superar as minhas limitações”.

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