Eventos e Redes Sociais (Parte II)

Na era dos eventos digitais, em que a oferta de eventos free é tanta que chutamos uma pedra e aparece uma live, um webinar, um congresso, quem trabalha com eventos vive uma realidade muito própria, quase uma realidade alternativa.
Live no Instagram.
Artistas e celebridades conseguem um número muito maior de público do que uma palestra sobre o novo coronavírus. Para o marketing, é mais interessante investir na primeira opção. Quem quer proporcionar conteúdo relevante tem esse desafio.
Conferências digitais
Incritos VS público efetivo. Quantas pessoas realmente queriam estar ON na hora de determinada palestra ou debate, mas acabam por ter outros compromissos? Vão deixar de se inscrever? Acho que, desde o início da pandemia, já são mais de 10 as palestras que queria ter visto, mas não consegui. Os meus dados estão lá, a minha inscrição está lá. Para efeitos de engajamento, qual é o número apresentado? O de inscritos ou o de pessoas que estavam realmente online atentas à palestra?
Transmissão no YouTube
Acredito que é o modelo que mais me agrada, o mais honesto. Pelo menos, se a palestra ficar disponível (acontece não ficar, em certos casos). Quem não viu, pode ver. O número de visualizações está em constante atualização. Não interessa se viu na hora, se vai ver depois.
Agora, vamos analisar um caso que considero de extrema relevância.
Como um presidente líder do digital foi traído pelo digital.
Um dos mais influentes do Twitter, com maior alcance, engajamento e todos os termos usados para medir a ação nas redes sociais, foi totalmente ludibriado por adolescentes.
Tik-Tok  e K-Pop. A letra K tem como característica o seu “unvoiced sound” por não ter vibração das cordas vocais. Por coincidência, milhões de inscrições, que tiveram origem na rede social Tik-Tok e no movimento dos fãs de K-Pop, não levaram vibração ao comício de Donald Trump.
Conceito simples. O registo foi feito, as inscrições eram gratuitas, e a bolha foi criada. Juntou o movimento Black Lives Matter e LGBTI, criaram vídeos com instruções de como fazer, esses vídeos eram apagados de imediato para que organizadores ligados à campanha de Trump não se apercebessem do esquema.
A cadeia de transmissão pode parecer complexa, mas é quase simples: do Tik-Tok passou para o Twitter, para o Instagram e para o Snapchat. E o Facebook? Os boomers que estão ligados a Trump preferem essa redes social, por isso, ficou de fora da estratégia.
Foram centenas de milhares de inscrições, de muitos adolescentes, de muitos estrangeiros, todos inscritos através de app, pedindo o máximo de bilhetes permitido.
Aqui não está em causa a política, está em causa a reconhecida relação de Trump com as redes sociais, principalmente o Twitter, e a forma como foi enganado. E foi um engano tão competente que o próprio Trump disse, na televisão, que o evento, com lotação para 19 mil pessoas, teria recebido um milhão de pedidos de ingresso.
O entusiasmo foi tanto que se montaram palcos adicionais no exterior do local.
O resultado? Nem metade dos 19 mil lugares ocupados. O aparato das televisões não cobriu o sucesso previsto, acabou por mostrar um fiasco memorável.
Lição para todos nós
As redes sociais são importantes, têm um papel extremamente relevante para quem organiza eventos, mas, da mesma forma que likes não pagam contas, inscrições em eventos gratuitos não significam presenças efetivas.
É preciso (re)pensar os eventos que organizamos, preparar a ligação com o público que queremos atingir, e criar uma relação de responsabilidade bilateral: quem organiza tem a responsabilidade de cumprir o que anuncia, quem se inscreve tem a responsabilidade de comparecer. E isso não funciona a 100% com eventos de inscrição gratuita, como não funciona com redes sociais.

Eventos e Redes Sociais (Parte I)

Ao longo dos últimos anos, com o poder que as redes sociais foram ganhando, foi possível observar fenómenos das mais distintas dimensões, como a Primavera Árabe ou como um luau na praia entre grupos de amigos. É a organização de eventos na ponta dos dedos.
Mas, todas as maravilhas que conseguimos com a facilidade proporcionada pelas ferramentas digitais são acompanhadas por detalhes que podem gerar resultados negativos.
De memória, consigo recordar um episódio bem simples. Um pedido de ajuda bem simples de um amigo, para marcar um evento de campanha. Acontece que eu estava no Brasil, o evento era em Portugal. Um pequeno detalhe de fuso horário fez com que o evento tivesse sido criado para a hora errada. Felizmente alguém viu, avisou, e alterei de forma rápida. Felizmente, mesmo com várias pessoas confirmadas, ao alterar os detalhes do evento (hora, local…), depois o aviso é atualizado.
Mas, vamos falar de algo bem mais sério?
Em 2017, em conversa com o meu chefe de então, o debate era sobre o alcance das redes sociais e como ele, por um lado, desvalorizava as redes sociais, por outro, ficava extremamente empolgado ou desanimado com os números que eu enviava nos relatórios.
Como eu expliquei na época – e pouco mudou – é óbvio que prefiro ter 100000 pessoas que confirmam presença no evento que organizo, mas as redes sociais valem o que valem. Quantas pessoas clicaram que iriam por terem recebido o convite de uma pessoa amiga? Quantas gostaram do nome? Quantas clicaram por engano? Quantas confirmaram simplesmente por confirmarem tudo? No final, o que importa é o número de inscritos ou o número de pessoas que realmente marcam presença?
Se quisermos analisar números, podemos tirar algumas conclusões:
1. Um evento para 250 pessoas que tem 1000 confirmados ou 5000 confirmados, no final, tem 250 pessoas, no máximo. É importante ter pessoas atentas ao evento, garantir que seguem e querem saber sobre as próximas edições, mas a lotação está lá e, estatisticamente, analisamos e vemos que, no primeiro caso, conseguimos 25% de inscritos, no segundo apenas 12,5% de inscritos. Mas, na hora do evento, em números reais, temos sempre lotação completa e objetivos atingidos.
2. Um evento de nicho, cuja divulgação é erradamente dirigida, vai originar uma ilusão estatística. Falando da minha experiência, quando um cliente quer o seu evento com um público X no local Y, há várias informações que deve considerar.
a) ter um número significativo de pessoas de público não-X do local Y…vale zero.
b) ter um número nulo de pessoas do local Y…vale zero.
c) ter um número significativo de pessoas do público X, de locais que não são Y…é complicado
   i. se o local for distante, o interesse e a concretização do interesse podem não casar. Risco de não atingir resultados: grande.
   ii. se o local for no estrangeiro, exigir visto, câmbio, viagem, hotel, as variáveis são muitas e o risco de não conseguir resultados é muito grande.
Portanto, ainda que o evento tenha ótimos números online, ainda que gere interesse, ainda que consiga confirmações, ainda que tenha pessoas que confirmam presença por genuinamente quererem estar presentes, na hora H, conta quem se inscreveu e apareceu.
3. Um evento gratuito, em que os inscritos não tiveram qualquer despesa, em que não têm nada a perder se não estiverem presentes, funciona exatamente da mesma forma que a confirmação em redes sociais. Confirmam 1000, aparecem 100. Como avaliar? O que aconteceu? O que temos de alterar? Onde estivemos mal? Provavelmente não será possível saber. O perigo do no-show em eventos grátis é exatamente esse, não existe uma perda para quem se inscreveu e não apareceu.
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Sobre reputação

Oscar Wilde

There is only one thing in the world worse than being talked about, and that is not being talked about.”

É relativamente simples encontrar várias adaptações deste epigrama, umas mais famosas, como “Any publicity is good publicity”, ou “Falem bem ou falem mal, falem de mim” ou, os mais tradicionais “Quem não aparece esquece” e “Quem não é visto não é lembrado”.

As redes sociais acabam por potenciar essa visibilidade, por isso, quem pretende assumir um papel de relevo na sociedade ou na sua área profissional ou acadêmica, tem uma ferramenta útil e eficaz à sua disposição.

Pessoalmente, sou defensor da criação de uma reputação pela positiva, por isso, a expressão “Falem bem ou falem mal, falem de mim” não se enquadra na minha forma de trabalhar e de pensar. Mas isso não significa que a lógica não resulta. Resulta e tem permitido construir a popularidade de celebridades sem qualquer tipo de competência, ou de políticos sem carreira, ou com projetos vazios ou assentes em visões pouco convidativas.

Observemos o caso da companhia aérea Low Cost Ryanair. Em agosto de 2013, o CEO da Ryanair, Michael O’Leary, disse que “Short of committing murder, negative publicity sells more seats than positive publicity”. Ou seja, tirando homicídio, qualquer tipo de publicidade negativa ajuda a vender mais do que publicidade positiva. A má qualidade do serviço da companhia aérea é a imagem de marca da Ryanair desde os primórdios, mas sempre tiveram bons resultados comerciais. Nem mesmo após inúmeros cancelamentos de voos ou da guerra com pilotos na praça pública os números da operadora foram afectados. Até que, em 2017, a Core Media avaliou a marca e ficou claro que o público e os clientes – que a Ryanair sempre gostou de chamar de convidados/guests – não tinham uma visão positiva, aliás, ao pico positivo de visibilidade da marca, correspondeu o pico negativo de sentimento pela marca. E a consequência? A concorrência navegou no céu aberto pela queda da Ryanair.

É claro que isso não tem o mesmo impacto em determinadas áreas, como a área artística. A italiana Benetton surfou a onda das imagens chocantes e impactantes durante anos, sempre com altos benefícios para as suas vendas, até ao dia… Diversos contratos cancelados e um diretor criativo despedido depois de uma campanha que usou presos no corredor da morte como modelos. Já Madonna conseguiu turbinar a sua imagem e reputação com o livro Sex ou o álbum Erotica. Isso leva à pergunta: quais são os limites da má publicidade? Ou: onde fica o limite entre o impactante e o chocante?

Passando para algo mais recente, podemos ver como escândalos sexuais vão destruindo carreiras de sucesso de realizadores, produtores ou atores, atletas e treinadores. Ainda assim, algumas personalidades parecem estar imunes a esse tipo de escândalo.

Mas, no Brasil, após 2018, surgiram casos muito interessantes.

  1. Havan.
    O dono é conhecido por usar um modelo de negócio ultrapassado casado com um modelo de vendas inovador, envolvido em escândalos de dívidas renegociadas a mais de 100 anos, suspeito (se bem que o próprio assume) de pagar campanhas de fake news para eleger um político, enquanto a Receita Federal anunciou a sonegaçáo de impostos, a juntar a dividas trabalhistas, culminando com a campanha fervorosa para que as pessoas não ficassem em casa, ignorando as recomendações das autoridades sanitárias. As vendas da Havan subiram em 2019.
  2. Madero.
    Um dos sócios do Madero, Junior Dusrki, fez o mesmo que o dono da Havan, Luciano Hang, mas não teve a mesma sorte. Após demitir 600 funcionários, decidiu dizer que a economia não podia parar por causa de “5 ou 7 mil que vão morrer”. De nada adiantou a explicação posterior, a onda de indignação nas redes sociais foi evidente. Também não terá ajudado que o despedimento de funcionários tenha ocorrido após garantir que iria manter empregos.
  3. Giraffas.
    Aqui o exemplo é bem diferente. Carlos Guerra, dono da rede de lanchonetes, afastou o próprio filho da empresa, após Alexandre Guerra, que já havia sido CEO da empresa, ter postado no Instagram um texto em que se dirigia aos funcionários que tinham ficado de quarentena, dizendo que deveriam estar com medo de perder o emprego. Percebendo o posicionamento político do filho, Carlos foi rápido e separou a empresa da posição de Alexandre.
  4. Wizard.
    Não sendo uma figura escondida, Carlos Wizard nunca assumiu uma posição de destaque, embora seja milionário, dono de diversas redes (escolas, lojas…) e colabore com o atual governo brasileiro desde antes das eleições. De conselheiro, discreto, passou a cotado para a posição de secretário. As primeiras palavras após o anúncio da possibilidade foram infelizes e quase parecia tentar o bingo de polémicas mais rápido do mundo. A defesa da cloroquina, as quatro guerras, que incluíam a ideológica, a acusação de que quem era contra a posição do governo no combate ao novo coronavírus tinha motivações puramente políticas, o anúncio da suspensão dos contratos internacionais de compra de respiradores (desmentido no mesmo dia), levaram à contestação popular e Wizard, provavelmente ponderando o impacto negativo nos seus negócios, publicou uma nota em que informou o afastamento do ministério.

Do outro lado, quem aposta em boa publicidade através de comportamento de marca associado a conceitos e ações positivas:

  1. Reserva.
    O CEO, Rony Meisler, fundou a marca de roupas Reserva, e tenta praticar o capitalismo consciente. Além de buscar o lucro, incentiva a produção local, promove dialogo sobre questões sociais e investe na capacitação dos colaboradores. Além disso lançou a campanha 1P=5P, que significa, na prática, que, por cada peça vendida na Reserva e Reserva Mini, são entregues cinco pratos de comida para quem tem fome.
  2. Melissa.
    A marca Melissa e eu nascemos no mesmo ano. De 1979 até à década de 90, era uma marca que vendia um tipo de produto – melissa aranha – e usava as novelas como meio de chegar ao público jovem. Em 1994, veio o reposicionamento de marca. Mais modelos, mais consumo e, principalmente, o fim da ideia de um produto que serviria apenas para aquele momento da vida. As melissas passaram a ser algo para a vida, deixaram de ser descartáveis ao final de um tempo.
  3. Boticário.
    Produtos de beleza. Futilidade? O Boticário mostrou que não queria ser apenas uma marca de produtos para a beleza estética. Por isso, decidiu passar uma mensagem de que a beleza é algo além da aparência. E não ficou por aí, adotou uma posição de defesa da diversidade, com campanhas como a “Toda forma de Amor”, no Dia dos Namorados, destinada a casais de todos os credos e sexualidades.

Para quem pretende se posicionar no mercado profissional na era das redes sociais, é fundamental perceber se é mais importante ter publicidade ou ter boa publicidade.

Acredito no valor da reputação construída em alicerces sólidos como a carreira profissional, contribuição para a sociedade, partilha de conhecimento enriquecedor, para citar alguns exemplos. Criar buzz pelo buzz é arriscado e pode ter repercussões negativas. O caminho mais fácil pode dar muito trabalho, mas não dará, com toda a certeza, dois trabalhos: o de fazer, e o de desfazer, e muito menos, três trabalhos: o de fazer, o de desfazer, e o de refazer como deveria ter sido feito.