Shafi Ahmed quer acabar com escassez global de cirurgiões

A Comissão do Lancet sobre Cirurgia Global divulgou um relatório em 2015 afirmando que cerca de cinco bilhões de pessoas em todo o mundo não têm acesso a cirurgia segura. Shafi Ahmed está tentando mudar isso. Ele ensina cirurgiões em todo o mundo usando tecnologia ou se deslocando até escolas de medicina em diferentes países.

Shafi é cirurgião laparoscópico no Royal London and St Bartholomew’s Hospitals, educador e professor, inovador, empreendedor e evangelista de realidade aumentada e virtual (RA e RV). Um futurista que é o decano associado do Bart’s Royal London Hospital, o maior hospital da Europa ocidental e um dos hospitais mais antigos do mundo, fundado em 1123. Curiosidade: foi o lugar onde Sherlock Holmes e Dr. Watson se encontraram pela primeira vez. E se Sherlock tinha sua lupa, Shafi tem Google Glass, Google Cardboard, Snapchat Spectacles e está aberto para tentar todos os tipos de tecnologia que ajudem a compartilhar seu conhecimento e suas experiências.

Em 2014, usando o Google Glass, ele removeu um câncer de fígado sob o olhar distante de 13.000 estudantes de 113 países, que enviavam perguntas a Ahmed e iam surgindo na lente do seu Glass. Ele leu e respondeu no mesmo instante, falando como se estivessem ao lado dele.

A escassez global publicada no relatório de 2015 obriga a que milhões de cirurgiões, anestesistas e obstetras sejam treinados durante a próxima década. Medical Realities, a empresa que Shafi Ahmed fundou em 2015, juntamente com Steve Dann, lançou sua plataforma esta semana e permitirá que Ahmed ensine remotamente usando streaming de 360 graus.

Shafi Ahmed aceitou o meu pedido de entrevista um dia depois do lançamento da plataforma Medical Realities revelou um pouco sobre esse projeto e seus planos futuros.

Ontem você lançou sua plataforma Medical Realities. Qual a importância desta realização?

Shafi Ahmed — Basicamente, é uma grande conquista. Vem mudar a educação para sempre. Esta é uma nova forma, um novo paradigma de aprendizagem. O que fizemos com a nossa plataforma RV é mudar a forma como as pessoas podem ser ensinadas e podem aprender no futuro, não apenas em medicina, mas todas as áreas. As pessoas ainda estão descobrindo o que significa RV e vídeo 360. Você assiste ao vídeo, olha ao redor, é imersivo. Você junta animação CGI. Como uma empresa, passamos 9 meses a trabalhar com 20 desenvolvedores, clínicos e animadores CGI, etc. O que RV significa? Hackear e criar aprendizagem neste ambiente. Passamos muito tempo pensando no valor e na validação desse sistema. Agora que lançamos, todo mundo que viu e entende onde a RV pode ser benéfica. Antes de ontem, ninguém sabia onde a RV ia, não havia nenhum conteúdo. É hardware, é um pouco de software. Criamos uma forma para que outros possam agora criar conteúdo que vai ser valioso. Acho que é uma grande mudança, uma mudança completa de direção da aprendizagem futura. É formidável! Falei com a minha equipe hoje para felicitar cada um por mudar todo o paradigma de aprendizagem.

Como funciona essa transmissão ao vivo?

SA — Tenho uma equipe e nós temos um equipamento montado por cima do paciente no teatro cirúrgico para podemos gravar. Isso transmite ao vivo para qualquer dispositivo ou smartphone. Você pode assistir ao que está acontecendo no teatro de operações em tempo real em dispositivo RV, ao vivo. É assim que funciona.

Quando pensamos em gravar uma operação ao vivo, pensamos nos problemas que, por todo o mundo, se coloca à telemedicina, em termos de privacidade e questões legais. Você encontrou algum e, caso tenha encontrado, como você conseguiu ultrapassar?

SA — Primeiro que tudo, o hospital onde trabalho, o Royal London Hospital, que faz parte do Barts Health Trust, todos têm sido muito solidários. O meu hospital é o maior hospital da Europa Ocidental. É enorme. É um dos hospitais mais antigos do mundo, com mil anos de idade. Estamos levando esta instituição numa viagem em inovação. E, ao invés de dizerem “não, há muitos problemas”, perguntaram “como podemos fazê-lo funcionar? O que você precisa para fazer o trabalho?”. Então, nós olhamos para a ética, a privacidade / confidencialidade, pensamos sobre o quadro legal, e todas essas coisas. O que fazemos é inovar e cuidar da parte ética e legal ao mesmo tempo, ao invés de pensar um a um e questionar como podemos fazer isso funcionar. Acredito que muitas perguntas sobre privacidade e confidencialidade não foram realmente respondidas, estamos muito atrás da tecnologia, certo? Nós sabemos isso. Se você fizer as perguntas certas, você obterá as respostas. Nossos pacientes são realmente solidários, eles dão consentimento explícito para fazer uma operação ao vivo em todo o mundo e para a transmitir. Eles são muito solidários e isso faz a diferença. Assim, o quadro legal suporta isso. Se você é claro, franco, honesto e os pacientes dão consentimento explícito, não há qualquer problema. No início, atrasávamos a operação em 30 segundos para prevenir casos de grandes catástrofes ou complicações, mas já fizemos tantas operações transmitidas, que agora que eles não se incomodam, é apenas uma questão de entender que as câmeras estão ao seu redor e a equipe trabalha no ambiente. Apenas é necessário certifique que, quando começamos a transmissão, tudo deve parecer profissional e a equipe deve estar trabalhando bem, para que público assistindo considere que é uma experiência de aprendizagem boa e muito profissional. É isso que estamos tentando mostrar.

Muitas das operações são sobre pacientes com câncer. Quão grande é isso em oncologia?

SA — Eu sou especialista em câncer, por isso, os meus pacientes têm diagnóstico de câncer. Penso que o câncer é universal, todos entendem o câncer em todo o mundo, o tratamento é padrão. Quando os pacientes têm câncer e concordam em ter uma operação transmitida ao vivo, é algo muito emocional que eles estão dando. Todos percebem isso e é algo que prende a imaginação. Mas, é apenas a minha área, quero dizer, se eu estivesse fazendo outra especialidade, seria outra coisa. Acontece que eu sou especialista em câncer e meus pacientes têm câncer que requer cirurgia e eles são solidários.

Você atua apenas na escala virtual onde as pessoas podem assistir o que você está fazendo. Viaja e vai a vários hospitais em todo o mundo, ensinando pessoalmente…

SA — Levo o meu trabalho até muitos países: Bangladesh, Paquistão, Índia, Sri Lanka, Egito, Palestina, no Oriente Médio, África, vários lugares. Apenas mostra que muito do meu interesse é sobre educação global, saúde global, como democratizar a educação, como ampliá-la e como usar essas tecnologias para capacitar as pessoas ao redor do globo, como tornar mais fácil, como fazer tornar a saúde mais equitativa. E como treinar não apenas um cirurgião, não dois cirurgiões, mas milhares de cada vez, e compartilhar esse conhecimento.

O próximo passo é o paciente virtual. Você realmente quer operar em um corpo virtual, correto? Quão longe ou perto você está para chegar a esse ponto?

SA — Um longo caminho. O que estamos tentando criar, em primeiro lugar, no mundo virtual é um paciente virtual com avatar de real, imagiologia CGI, para parecer realista na sua frente, em ambiente virtual. Depois, é preciso introduzir todos os órgãos, só então você será capaz de operar naquele paciente virtual. Isso exige algum feedback de sensibilidade ao toque, ser capaz de sentir, ser capaz de operar. O processo todo levaria provavelmente cerca de 2 a 5 anos, talvez um par de anos para chegar no ponto em que você pode fazer algo em um paciente virtual.

Sua primeira operação usando Google Glass foi em 2014. O que mudou desde a primeira experiência até à mais recente?

SA — Acho que a primeira experiência foi mesmo experimentar com novas tecnologias e foi um teste sobre se poderíamos fazer isso. Era novo, era talvez um pouco desconhecido. Naquele dia, nós ensinamos 14 mil alunos em todo o mundo usando Google Glass. Desde então RA (Realidade Aumentada), que é o que o Google Glass é, mudou para RV (Realidade Virtual). VR entrou, é novo, é mais diferente, é mais imersiva. E acho que com essa experiência de viver operando e ensinando ao redor do globo, temos uma grande plataforma e acredito que temos reconhecimento mundial. Muitas coisas mudaram, incluindo a aceitação, a compreensão das pessoas, e a RV permite diferentes tipos de experiência de aprendizado. Acho que seguimos em frente e amadurecemos com essa experiência.

Cirurgião do Royal London Hospital lançou plataforma de Realidade Virtual para ensino da medicina, Medical Realities.

Nessa ocasião, muitas pessoas na China estavam assistindo de seus desktops, algumas pessoas em outros países estavam usando seus óculos ou smartphones … você sabe quantas pessoas estavam assistindo?

SA — Vou lhe contar essa história. O que aconteceu foi que, quando estávamos fazendo a operação RV no passado mês de abril de 2016, meia hora antes da operação recebemos uma ligação da maior rede emissora de TV da China dizendo “soubemos do que você está fazendo, nós amamos a ideia, queremos o feed para transmitir para 1,2 bilhão de chineses”. Então nós pensamos “o que vamos fazer?”. Como tínhamos apenas uma certa largura de banda, tínhamos apenas alguma capacidade de armazenamento em nossos servidores e dissemos “ok, não temos certeza do que vai acontecer, mas não queremos sobrecarregar o servidor inteiro e travar tudo”. Então, nós aumentamos o volume para 200 mil, mas o que eles fizeram na verdade foi tirar o feed de nossos servidores para os próprios servidores na China. Portanto, não temos noção de quantas pessoas estavam sintonizadas. Podem ter sido centenas de milhares. Não fazemos ideia.

Essa não foi a sua última operação transmitida …

SA — Não. A última grande foi o Snapchat que eu fiz em novembro usando Snapchat Spectacles. Essa foi o última em termos de transmissão global.

Ou seja, você está tentando diferentes plataformas. Você diria que você vai tentar todas elas ou vai se concentrar em apenas uma?

SA — Google Glass foi ótimo quando saiu. Ótimo dispositivo, transmissão ao vivo, fácil de usar na sua cabeça, dispositivo de luz, computador muito poderoso, e você pode pessoas de texto em seu telefone, podemos ver as mensagem na tela e a interação é agradável. RV significa menos interação para você, interação para todos os outros, porque eles estão imersos no mundo RV. É de alta fidelidade, mas de baixo custo com seu smartphone, seu aplicativo e seu Google Cardboard. Snapchat foi outra experiência. Se você olhar para meus alunos em todo o mundo, há cerca de 150 milhões de usuários Snapchat ativos diariamente. Acho que é a plataforma de Realidade Aumentada mais poderosa que está lá fora. É a maior. Nós não pensamos nisso como Realidade Aumentada, mas é uma plataforma de realidade aumentada. Veja que 75% dos usuários estão entre as idades de 17 e 25 anos. Se você olhar para os meus estudantes de medicina, é a idade deles. Eles usam essas redes sociais. As redes sociais, para mim, são uma maneira de acessar as pessoas. Todo mundo tem um APP gratuito em seu celular, um clique pode acessar milhões de pessoas, se você quiser. Facilidade de acesso, conectando mentes humanas, correto? Quando eu usei Snapchat Spectacles, tinha acabado de ser lançado, permitindo que você grave em clipes de 10 segundos. A minha questão era se dava para ensinar as pessoas em segmentos de 10 segundos. Temos que pensar sobre o que estamos tentando dizer, gravar, e publicar em 10 segundos. É curto, é nítido e faz sentido. Então, foi uma experiência para ver se isso seria capaz de capacitar as pessoas. Apesar de algumas dúvidas quanto ao uso de redes sociais, nós fomos vistos por 2 milhões de pessoas, e tivemos mais de 100 mil downloads no youtube. Recebi todas as revistas e jornais do mundo, apenas com base nos simples Snapchat Spectacles e clipes de 10 segundos. Revistas de todo o mundo cobriram, incluindo a revista Time, até mesmo a Cosmopolitan, o que é realmente incrível! Disruptivo!

SA — Eu estive assistindo a uma de suas cirurgias no Facebook Live e eu não sou um grande fã de sangue …

SA — Você viu isso! No Bangladesh! O Facebook, lembre, tem 2 bilhões de usuários ativos diariamente. Isso é um terço da população mundial. Se você quiser acessar seres humanos, treiná-los e fornecer conhecimento, você está lá: um clique no Facebook e você acessa o mundo inteiro. Isso é o que eu estava tentando mostrar. No Bangladesh, fiz uma operação ao vivo no Facebook e 10 mil alunos sintonizaram imediatamente. Imediatamente! Você está acessando pessoas e ensinando em todo o mundo. E essa é a beleza das plataformas de rede social. E eu acho que não estamos usando da forma correta. Você pode tirar fotos de seu gato, seu cachorro, sua comida e sua viagem e isso é ótimo. Mas há algo mais poderoso por trás dessa mensagem e é sobre conectar pessoas e compartilhar seus conhecimentos. Você tem conhecimento, eu tenho conhecimento, queremos compartilhar esse conhecimento. Então, nós compartilhamos com uma ou duas pessoas, nos sentimos empoderados, por estarmos compartilhando o que aprendemos nessa troca de experiências. Mas por que não compartilhar conhecimento com dezenas de milhares de pessoas? Isso tem muito mais impacto. E deixa um legado. Essa é a minha opinião.

Mais do que apenas educar, você está permitindo que famílias e futuros pacientes assistam à cirurgia. Qual a importância para alguém que vai ter uma cirurgia ou que tem um ente querido sendo operado?

SA — Uma das coisas sobre a cirurgia que estamos tentando mudar é desmistificar a cirurgia. Eu sei que as cirurgias são um pouco secretas, você tem a máscara, você está no teatro de operações, ninguém sabe o que está acontecendo. Há uma certa carga mística sobre a cirurgia, que nós compartilhamos. Eu acho que nós mantemos isso assim de propósito para que as pessoas não entendam o que fazemos. Acho que quando fazemos isso, ser claros, ser transparentes, levar as pessoas para a sala de operações, isso é o que fazemos, isso é quem somos, somos seres humanos, ajudamos as pessoas, a equipe ao seu redor está trabalhando. É bom para mostrar esse todo esse lado da cirurgia, para que as pessoas aí entendam. Há uma história que quero compartilhar com você. Quando fiz uma operação transmitida ao vivo em realidade virtual no ano passado, terminei a operação, que foi uma operação de câncer e saí da sala de operações. Havia muitas câmaras de televisão, que eu fui afastando, até chegar ao outro extremo do corredor. Encontrei a esposa e os filhos do paciente que eu tinha operado. Então eu perguntei como estavam, como se sentiam. E eles responderam “Muito obrigado, Sr. Ahmed, assistimos à operação ao vivo. Obrigado”. Meu queixo caiu. Caiu, não estou brincando. Eu não sabia o que dizer. Era a última coisa que pensava ouvir. Confessei que não imaginava que estivessem assistindo. E a resposta muito interessante. “Isso nos ajudou. Porque normalmente quando seu ente querido vai para uma operação, você vai tomar um café durante 3 ou 4 horas, fica andando inquieto para cima e para baixo, está ansioso e tudo mais. Nesta ocasião, estávamos assistindo a operação ao vivo, podíamos ver o que você estava fazendo e fomos tranquilizados pois ele estava em boas mãos e as coisas estavam indo bem. Estávamos mais felizes”. Eu não esperava isso de forma alguma. Como não fizemos a pergunta, não obtivemos as respostas. Assumimos que os pacientes querem coisas diferentes. Basta perguntar aos pacientes: “o que você gostaria? Como você gostaria de ser tratado? Você quer assistir a sua operação?” E, na verdade, as respostas podem ser mais surpreendentes do que imaginamos.

Publicado originalmente no portal DiagnósticoWeb
Publicado em HunHu

Arlen Meyers “Hospitais liderados por médicos são mais lucrativos”

Para o CEO da SoPE — Sociedade de Médicos Empreendedores (Society of Physician Entrepreneurs) –, médicos têm cada vez mais a oportunidade de descobrir que aprender a fazer negócios é tão importante quanto se aprofundar na prática clínica.

A velha máxima de que o médico é um péssimo empresário não passa de um mito perpetuado por consultorias que, claramente, querem lucrar com essa linha de pensamento. A frase polêmica é do médico americano Arlen Meyers, CEO da SoPE — Society of Physician Entrepreneurs (Sociedade de Médicos Empreendedores, em tradução livre) –, com sede no estado da Connecticut, costa leste americana. Meyers, que continua exercendo a profissão, apesar de dedicar grande parte do seu tempo à consultorias e à docência, defende categoricamente que um sem fim de médicos mundo afora são muito proficientes no exercício do empreendedorismo. “Hospitais liderados por médicos são mais lucrativos e têm melhores resultados financeiros do que aqueles dirigidos por quem não é médico”, garante o dirigente. “O contrário disso é um mito disseminado, em larga medida, por consultorias interessadas em vender seus serviços”. Mas há um aliado nesse processo de “desinformação”, acredita ele: as faculdades de medicina, que formam mal seus estudantes e “enterram cada vez mais a cabeça na areia”, quando assunto é o estímulo ao empreendedorismo. Para Meyers, o “Negócio Saúde” e as novas tecnologias deveriam ser parte da educação de todo estudante de medicina. “É negligente toda faculdade de medicina que não prepara os futuros médicos para as novas ferramentas tecnológicas e para os desafios de gestão na área da medicina”, provoca o docente, para quem as grandes corporações de tecnologia global, a exemplo da Google, Apple e IBM vão ter um peso cada vez mais influente na forma de se fazer a medicina moderna. Mas como será esse futuro médico, misto de aconselhador, detentor da técnica e de um olhar mais “digital”? “Serão profissionais que não irão tratar os pacientes, mas cuidar também de toda a informação fornecida pelos pacientes”, descreve Meyers, em tom professoral. “Esse, aliás, passará a ser um ponto de dados. E o médico, em grande medida, o gestor dessas informações”.

“Encontrei” Meyers na cidade de Denver, bem no coração do Colorado. Às 10h da manhã — horário local –, ele atendeu para falar sobre o futuro da medicina, inovação, tecnologia e empreendedorismo.

Médicos lideram os cinco melhores hospitais dos Estados Unidos, segundo a AAPL (American Association of Physician Liaisons). A expertise clínica conta pontos para o gestor da área da saúde?

Arlen Meyers — Hospitais liderados por médicos são mais lucrativos e têm melhores resultados financeiros do que aqueles dirigidos por quem não é médico. Estamos falando de grandes sistemas hospitalares. Minha experiência diz que entregar aos médicos a missão ou visão do hospital pode ser mais fácil se ele tiver a mentalidade de um líder munido de cultura e entendimento dos detalhes do sistema. É como se um de nós estivesse liderando uma organização depois de já ter estado lá, sabendo como tudo funciona. Parte desse mérito tem a ver, obviamente, com a credibilidade clínica. Fundamentalmente, médicos olham para seus líderes assistenciais por sua credibilidade, mas não fazem o mesmo paralelo na área administrativa.

Existe a ideia de que um médico gestor só pode assumir uma destas funções: ou lidera ou se dedica à assistência. Como quebrar essa linha de pensamento?

Meyers — Em primeiro lugar, é importante definir os termos. Basicamente, estamos falando de médicos que são técnicos e estão na linha da frente tratando pessoas. Em algum momento da carreira, esses profissionais evoluem para a função gerencial, o que os obriga naturalmente a saber otimizar recursos para obter o máximo de eficácia. No passo seguinte, se tornam líderes, conduzindo a visão, direção e inspiração do negócio. O nível acima desse é o do empreendedor, que cria valor e o transfere aos stakeholders. Acho que os médicos têm capacidade plena de seguir essa trajetória. E podem exercer todas as funções concomitantemente ao exercício da medicina. Porém, apenas um número muito reduzido é capaz disso. Quando falamos da evolução ao papel de empreendedor, o número de médicos com essa mentalidade é extremamente limitado, inclusive o de líderes empreendedores. Encontrar um médico que seja líder e tenha mentalidade empreendedora é raríssimo.

Acha que as faculdades de medicina podem contribuir com esse processo?

Meyers — Existe uma lógica segundo a qual todos temos algo que faz parte de nossa natureza e algo que é desenvolvido ao longo da vida. Em parte, ter uma mentalidade empreendedora é um traço de personalidade. Por essa perspectiva, a resposta é não: ou a pessoa tem essas características ou não tem. Por outro lado, alguns indivíduos possuem essas características, só que não completamente desenvolvidas. Para eles, claro, podemos criar um ambiente propício ao desenvolvimento dessas qualidades.

O que dizer aos defensores da tese de que a faculdade de medicina não é lugar de ensinar a fazer negócios?

Meyers — Praticamente nenhuma faculdade de medicina ensina a fazer negócios. Do meu ponto de vista, isso é negligência educacional. O ambiente na área da saúde é tão complexo e mutante que eu não diria que aprender a prática de medicina é mais importante do que aprender sobre o “business da saúde”. Diria que é algo que deveria fazer parte da educação de todo estudante de medicina, mesmo na fase de residência médica. Ao não fazer isso, as faculdades de medicina estão enterrando a cabeça na areia na esperança de que o problema desapareça. Quando muito, a tendência é a de que vá piorar.

Os cursos de medicina precisam diversificar as matérias da grade tradicional ou o ensino de negócios deve ser complementar, tratado na pós-graduação?

Meyers — A maioria dos profissionais do ensino de medicina já reconhece que o sistema não está proporcionando aos alunos as competências de que necessitam para serem bem-sucedidos e cuidarem de suas respectivas comunidades. As pessoas estão tentando entender como redefinir e alterar os programas para dar aos estudantes conhecimentos, competências e habilitações que garantam um aprendizado satisfatório. A meu ver, é necessário incluir saúde digital na grade curricular, assim como as ferramentas de gestão empresarial e empreendedorismo na medicina. Mas não a um extremo em que se desloque o cerne do conhecimento médico científico, que é um requisito indispensável para se cuidar do paciente. No entanto, ignorar totalmente novas vertentes na dinâmica da formação médica é uma irresponsabilidade. Creio que mais estudantes estão chegando à faculdade com a ideia de que não querem exercer a medicina por 40 anos — e alguns sequer querem ser médicos. Se abrirmos o processo de admissão a pessoas que não têm a menor intenção de exercer a medicina e querem um MBA para terem credibilidade clínica, essas pessoas estarão apenas interessadas em criar uma empresa ou montar um negócio na área da saúde. A vida clínica média, isto é, o número de anos em que os médicos exercem a profissão, acredito, será mais curta. Estudantes de medicina saltarão entre diferentes carreiras ou mesmo entre empregos, e mais médicos vão querer clinicar em tempo parcial. O fato é que nós, como academia, não estamos providenciando a plataforma que esses estudantes necessitam para atingir seus objetivos. E precisamos fazer isso, logo. Caso contrário, veremos cada vez mais insatisfação nos médicos, assim como depressão, esgotamento e até suicídio. Nós não estamos nos adaptando às necessidades do mercado.

Arlen Meyers, em São Paulo, 2016

Há anos existe um consenso de que um executivo hospitalar deve vir do mercado, pois o médico enfatiza demais a excelência técnica e, por isso, abre mão do controle de custos. Concorda com essa visão?

Meyers — Existe um mito de que os médicos são péssimos nos negócios. Isso é absolutamente falso. Em primeiro lugar, é preciso detalhar o que significa ser péssimo para negócios. Seria não saber ganhar dinheiro? O que é um péssimo investidor? Talvez aquele que não saiba como dirigir uma organização. Pessoalmente, lido com diversos médicos que são muito proficientes como empresários. Por isso, acho que existe um mito generalizado de que médicos são péssimos empresários. Isso, de certa forma, é conveniente para os prestadores de serviços que pretendem providenciar aconselhamento financeiro, pois enxergam nesses profissionais um alvo fácil. Discordo absolutamente dessa afirmação, que revela falta de visão. Francamente, considero-a insultuosa.

O que você acha da convivência entre médicos e não-médicos no conselho dos hospitais? É possível conviver com modelos híbridos?

Meyers — Isso é essencial para a bioinovação e o empreendedorismo. Faço parte de diversos comitês consultivos e conselhos de administração, trabalho com pessoal não-médico, técnicos, empresários, engenheiros, e acredito que quanto mais diversificado for o grupo, mais criativo será. Ter um médico no conselho é crucial para dar uma perspectiva clínica ou um melhor entendimento de uma questão clínica, seja em uma diretoria hospitalar ou em uma diretoria de empresa ligada à indústria. Na verdade, muitos dos problemas que estamos vendo na área da saúde digital são consequência de uma falha dos fornecedores, que não envolveram adequadamente os consumidores finais no processo de desenvolvimento dos novos produtos — e isso inclui pacientes e médicos.

O médico Robert Pearl disse em artigo recente que a maioria das startups da área de tecnologia da informação para a saúde tem uma falha embrionária: seus produtos são formados quase sempre por profissionais de informática, com escassa participação de médico, seja como desenvolvedores ou consultores. Por que isso ocorre?

Meyers — Porque essas startups são impulsionadas pelo retorno do investimento, e não pela eficácia clínica. A maioria dos produtos e serviços de saúde digital é criada e desenvolvida fundamentalmente graças a investidores e empreendedores de base tecnológica cujo objetivo é fazer a empresa crescer em escala o mais rapidamente possível. Francamente, eles não estão interessados em segurança dos dados, em segurança de tecnologia da informação para a saúde, e certamente, tampouco em eficácia clínica. A maioria dos produtos criados tem pouco ou nada a ver com o objetivo de trazer melhoria aos pacientes, e sim como ampliar o retorno e gerar cada vez mais lucro.

A entrada de gigantes tecnológicos como Google, Apple e Microsoft continuará a dar o tom sobre o futuro da medicina?

Meyers — Claramente. O futuro dos cuidados em saúde é migrar para tecnologias de interface, como comunicação social e de massa, telecomunicação e Big Data. Tanto a assistência quanto a gestão estão se tornando cada vez mais digitais. Portanto, para todos os efeitos, uma das megatendências é olhar para os pacientes como pontos de dados e para os médicos como gestores de dados. A interface entre ambos serão profissionais de dados e empresas especializadas em adquirir, analisar e distribuir essas informações. Estamos falando de empresas de telecomunicações, de conteúdo, de comunicação social. No futuro, os grandes players do setor de saúde não estarão necessariamente em hospitais, mas em áreas como telecomunicação, aeroespacial, Big Data e tecnologia. Veremos cada vez mais interfaces entre farmacêuticas, dispositivos, prestação de serviços de cuidados de saúde e essas tecnologias. Um exemplo é a Teva, de Israel, que fez um grande investimento em telemedicina. Eles não estão fazendo isso por acharem que é uma boa ideia e sim para expandir seu negócio e por acharem que essa é uma área em crescimento. Será cada vez mais difícil distinguir o que é tecnologia e o que é medicina. Teremos uma fronteira cada vez mais borrada. Acho que, no futuro, as Apples, os Googles e as Samsungs vão liderar a saúde em nível global.

Mesmo com as limitações impostas à telemedicina?

Meyers — Acredito que sim, apesar do desafio ser grande. Afinal, usar essas tecnologias em larga escala depende muito do ecossistema e de restrições regulamentares e legais. Há resistência principalmente com relação a reembolsos, licenciamento, credenciamento, pagamento e, também, com fatores humanos. Existem inúmeras barreiras à adoção e ao uso generalizado da telemedicina nas áreas rurais, por exemplo. Isso não é um problema exclusivo dos Estados Unidos. Países igualmente continentais como Brasil, China e Índia não conseguiram implementar projetos de medicina em larga escala de forma efetiva. O problema, nesse caso específico, está relacionado com infraestrutura, dinheiro, modelo de negócio e restrições regulamentares e legais.

A questão é discutida nos EUA desde o final da década de 50…

Meyers — A primeira patente de telemedicina, e sua primeira aplicação, aconteceu em meados da década de 1920. Ou seja, estamos quase celebrando cem anos da primeira utilização da telemedicina. Mudar qualquer sistema de saúde leva uma eternidade. Na América do Norte, você tem razão, o debate remonda os anos 50. Só muito recentemente, pelo menos nos Estados Unidos, os conselhos estaduais de medicina, legisladores estaduais e as autoridades federais começaram a remover algumas das barreiras para a implementação da telemedicina. Essas questões têm a ver com economia, política e diferenças regionais e culturais. A tecnologia existe há muito tempo e nunca foi o problema. O problema parte das pessoas e dos sistemas políticos e econômicos, que são os verdadeiros obstáculos.

Os médicos devem se adaptar a essas tecnologias ou é a tecnologia que deve ser desenvolvida para os médicos?

Meyers — Acho que deve haver um pouco de ambos. O propósito da tecnologia no setor da saúde é ajudar os médicos a cuidar dos pacientes ou ajudar os pacientes a cuidarem deles mesmos. Portanto, cada tecnologia de saúde deve ser analisada levando-se em conta se ela auxilia o médico a cuidar do paciente com eficácia ou se ajuda o paciente a cuidar de si e mostra resultados favoráveis e comprováveis. Se aplicarmos esse raciocínio às tecnologias disponíveis atualmente, apenas uma parte incrivelmente reduzida realmente cumpre o que se pede, particularmente em saúde digital. Elas simplesmente não ajudam os médicos a cuidar dos pacientes e não permitem obter resultados mais favoráveis.

Que tipo de suporte a SoPE dá aos médicos na organização ou no financiamento para empreender?

Meyers — A SoPE é a maior rede global, sem fins lucrativos, de empreendedorismo e inovação biomédica e em saúde. Nossa missão é ajudar os membros, cuja maioria são médicos, a fazer suas ideias chegarem aos pacientes. Para isso, providenciamos educação, recursos, rede de contatos, mentores, aprendizado experimental e acesso a pessoas com capital para investimento, em um esforço para ajudar a impulsionar suas ideias. Fazemos isso a partir de uma rede internacional e oferecemos suporte a empreendedores para concretizar suas ideias.

E isso inclui também consultoria na área marketing?

Meyers — Sim. O conceito de empreendedorismo médico engloba vários elementos. A área de marketing e vendas — seja de uma entidade, consultório ou outro negócio ou de um produto voltado ao sistema de saúde — está dentro do espectro de competências que ensinamos. Também ligamos nossos membros aos especialistas em cada campo. Nossa vocação é criar plataformas de apoio ao empreendedorismo.

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Publicado na Revista Diagnóstico
Publicado no site Médicos S/A

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Michael Volkov “Empresas éticas são mais rentáveis”

Para o ex-promotor federal americano Michael Volkov — uma das vozes mais relevantes dos Estados Unidos quando o assunto é a adoção de políticas de compliance –, as empresas e os indivíduos querem fazer a coisa certa. Trata-se apenas, segundo ele, de se dedicar tempo, recursos e atenção para esta missão.

O ex-promotor federal americano Michael Volkov é uma das vozes mais relevantes dos Estados Unidos quando o assunto é a adoção de políticas de compliance em grandes organizações. Depois de 17 anos agindo nos tribunais para incriminar empresas não-éticas, Volkov decidiu ser consultor de empresas interessadas em saber os meandros para se tornar exemplos de obediência à lei. “A cultura de ética deve ser transversal a qualquer tipo de empresa. E a indústria de healthcare não é exceção”, defende o advogado, CEO da Volkov Law. Segundo ele, as empresas e os profissionais de saúde estão cada vez mais na mira das novas políticas do DOJ (Departamento de Justiça Americano), que tornaram a vigilância mais agressiva e as penas mais pesadas.

Amante de viagens, artes e atividades filantrópicas e um ávido jogador de tênis, Volkov aceitou responder às seguintes questões em Julho de 2015.

Começou sua carreira na área jurídica em 1982 e, desde então, muita coisa mudou na política, direito, ética e compliance. O que de mais relevante ocorreu no EUA ao longo desse período?

Michael Volkov — Em 30 anos de carreira, tenho visto mudanças significativas na política, direito, ética e compliance americano. Em primeiro lugar, tem havido um enorme aumento do volume e da natureza das ações penais de empresas e indivíduos por crimes de colarinho branco, incluindo suborno, fraude, Anti-money Laundering — antilavagem de dinheiro, em tradução livre –, e violações antitruste. Os processos criminais substituíram os processos civis como motor principal de execução, dissuasão e prevenção. Em segundo lugar, em resposta a esta tendência significativa, nos últimos dez anos temos visto o risco à crescente importância do compliance como uma função estabelecida de governança corporativa. Com o aumento da responsabilidade penal para executivos e gerentes individuais, as empresas se voltaram para a ética interna e programas de compliance. Profissionais de compliance são, atualmente, os profissionais mais procurados para muitas indústrias, incluindo farmacêuticas, dispositivos médicos, prestadores de serviços — hospitais, por exemplo –, instituições financeiras e empresas de petróleo e gás.

Como sua experiência de ex-procurador federal influencia na sua carreira de advogado?

Volkov — A minha experiência anterior como procurador federal — atualmente estou aposentado — colocou-me em uma posição única. Porém, mesmo conhecendo todas as evidências que um promotor procura e precisa para construir um caso criminal, busco levar para meus clientes a noção de que ser um ator non compliance não compensa. Naturalmente, sou procurado por empresas interessadas em fugir de uma condenação ou simplesmente ter uma pena reduzida em ações da Justiça americana. Ter sido procurador federal, obviamente, me auxilia no domínio da técnica. Afinal, estive do outro lado. Sei como funciona.

Os funcionários de empresas éticas não mais fiéis?

Volkov — Sim e por razões bastante óbvias. Os colaboradores de empresas éticas acreditam na organização e na sua liderança. Eles são mais produtivos e menos propensos a deixar uma empresa que é referência em compliance. Com taxas de rotatividade mais baixas e maior produtividade, empresas éticas são mais propensas a aumentar o desempenho financeiro e a rentabilidade.

Algumas corporações são reincidentes, outras criam seus próprios códigos de compliance, mas, ainda assim, não “praticam o que pregam”. Pode comentar?

Volkov — Você identificou dois dos maiores problemas de compliance em muitas indústrias. Algumas são reincidentes porque sofrem de graves deficiências culturais que geralmente se refletem em forma de infração de suas regras de compliance por parte do conselho, CEO e da alta administração. “Programas de compliance de papel”, que nunca são postos em prática, em alguma medida também têm ligação com deficiências na cultura ética da organização. Ambos os problemas continuam atormentando as empresas — percebo a ocorrência de mais “programas de papel” do que empresas reincidentes em ações non compliance. Mas é preciso dizer que as consequências colaterais para as empresas que violam a lei estão aumentando em todo o mundo e as ações judiciais, por parte de acionistas “lesados”, estão aumentando rapidamente em número e exigências. Como resultado, as empresas estão percebendo que gastar dinheiro em compliance é um bom investimento. Cada vez melhor do que as sérias consequências da execução penal por imposição governamental ou consequências colaterais de litígios entre particulares. Defendo regularmente que empresas comprometidas com as regras de compliance devem começar por criar uma cultura ética em primeiro lugar. Empresas detentoras de princípios morais têm menor incidência de má conduta e são mais propensas a relatar internamente casos de má conduta.

O senhor costuma defender que os CCOs do setor de healthcare precisam ser elevados e fortalecidos. Eles têm o título, mas faltam recursos. O que pode ser feito?

Volkov — Os CCOs do mercado de healthcare têm uma história muito incomum. Há muito tempo, na década de 1990, o governo americano reconheceu a importância de capacitar um CCP (Certified Compliance Professional) independente e separado do departamento jurídico. Eles insistiram em cada acordo que CCO deveria estar separado do departamento jurídico e lhe deveria ser dada maior autoridade fora do departamento jurídico. Infelizmente, na prática, o CCO tornou-se um agente “estagnado”, com autoridade e recursos inadequados. Só agora estamos vendo algumas melhorias no estatuto do CCO em empresas de healthcare. Os conselhos de administração têm estado adormecidos em muitas dessas questões e não conseguiram resolver os problemas de forma proativa. Com um ambiente de aplicação agressivo desse tipo de política, direções de grandes empresas já começaram a abordar esta questão e a exigir melhorias nas funções globais de compliance, incluindo a elevação de CCO a uma nova posição.

 

 

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M. Volkov “Estamos num caminho para uma maior “iluminação” das atividades de compliance. E essa será uma jornada incrível”

 

Acredita verdadeiramente que o compromisso das direções é o ingrediente que falta para tornar o setor de healthcare mais ético?

Volkov — Sim. Eu vejo muitas palavras “da boca para fora” sobre a importância da ética e do compliance, mas há pouca ação. Os conselhos de administração devem tornar-se mais ativos no exercício da sua supervisão e do seu monitoramento de responsabilidades.

Você definiu as cinco etapas que o DOJ (Departamento de Justiça Americano) está usando para lutar contra fraude de saúde. Poderia explicar como cada uma funciona?

Volkov — Estamos falando de um processo que tem cinco fases: primeiro, focar nos provedores, depois, seguir o dinheiro, usar todas as ferramentas, cobrar dos profissionais, e, finalmente, qualidade da assistência. Atualmente, o DOJ se baseia em um modelo de pay-and-chase (pagamento e caça, em tradução livre) para combate à fraude. Por outras palavras, eles pagam ao provedor, em seguida, investigam o provedor baseado em padrões e montante dos pagamentos, procuram saber se ele ou ela está cometendo uma fraude, e em seguida, procuram/caçam o provedor para processar criminalmente e/ou civilmente para recuperar a verba. O modelo de pay-and-chase, por definição, é ineficiente e malsucedido como enquanto real dissuasor para acabar com a fraude. O DOJ está processando, após o fato consumado, os médicos e outros prestadores de fraude, mas continua perdendo dinheiro na equação; usando o conjunto completo de ferramentas de investigação penal (gravações camufladas, informantes, mandados de busca, etc), e agora trazendo casos criminais e civis por má qualidade do cuidado como um tipo de fraude cometida contra o governo, o que significa que eles estão fornecendo assistência sem a qualidade mínima aos doentes, mas cobrando do paciente/governo por tais serviços. Uma estratégia mais eficaz é uma abordagem proativa. Antes de uma agência seguradora privada ou governamental pública pagar uma conta médica para um provedor, é preciso haver etapas de due diligence (vigilância, em tradução livre) proativas para verificar quem o provedor é, se tem um escritório, se realmente presta serviços, e se legalmente tem direito a receber o dinheiro. Quanto mais dinheiro for gasto em investigações proativas e pré-pagamento, mais frequentemente os pagadores privados e públicos podem identificar potenciais riscos de fraude e evitar a perda de dinheiro.

O senhor escreveu que não podemos olhar para o compliance apenas como um centro de custo — um meio importante para melhorar o desempenho financeiro da organização e reputação de integridade. Reputação custa dinheiro ou atrai o dinheiro?

Volkov — A reputação protege uma empresa por incutir uma visão positiva da empresa nos colaboradores, clientes, fornecedores e vendedores. Em muitos casos, as empresas sofrem mais devido a danos reputacionais do que por encargos financeiros de uma multa. Investir em compliance é uma forma de promover a rentabilidade financeira através da criação de uma cultura ética, e criando uma imagem que a empresa pode apresentar aos stakeholders externos. Isso é importante para promover uma empresa junto dos seus stakeholders e de sua comunidade.

Depois de todos os casos com que lidou desde 1982, tanto com o DOJ quanto como profissional autônomo, consegue ver a luz no fim do túnel? Há esperança para o setor de healthcare?

Volkov — Existe, sem dúvida. Pela primeira vez em nossa história, o compliance é uma parte integrante da nossa estrutura de governança. Há muito trabalho a ser feito, mas estamos no caminho certo. As empresas e os indivíduos querem fazer a coisa certa. Trata-se apenas de se dedicar tempo, recursos e atenção para esta missão. O governo tem muito poder e muitas ferramentas para garantir que isso aconteça, mas toda a aplicação da lei no mundo não pode trazer uma mudança dramática sem o apoio, empenho e engajamento dos órgãos sociais, comunidades, CEOs, executivos e profissionais de compliance. Estamos em um caminho para uma maior “iluminação” das atividades de compliance. E essa será uma jornada incrível.

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Publicado em HunHu
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