‘A tempestade perfeita’ e o engajamento do paciente

O empoderamento dos pacientes através da tecnologia criou uma tempestade perfeita. A expressão é do israelense Ronen Rozenblum, diretor do Brigham and Women’s Hospital e professor de Harvard, que esteve recentemente no Brasil para explicar como o modelo centrado no paciente pode ser implementado no país.

Ronen Rozenblum, diretor do Brigham and Women’s Hospital e professor de Harvard defende que as redes sociais e APPS estão empoderando o paciente

CUIDADOS CENTRADOS NO PACIENTE

Uma das grandes tendências do setor de healthcare mundial é o engajamento do paciente, algo fundamental para aquela que é considerada a lógica do futuro da saúde: os cuidados centrados no paciente. Estados Unidos, Reino Unido e Austrália são, atualmente, os países em que a sua implementação está mais avançada. O Brasil é o alvo seguinte. Tenho uma firme convicção de que o país tem condições para implementar o modelo, basta criar políticas e estabelecer diretrizes para sua aplicação, quer em instituições públicas, quer em instituições privadas.

Mas é necessário, como em qualquer outro país, definir políticas e linhas orientadoras, compreender termos e conceitos de centros de cuidados ao paciente e saber a importância dessa dimensão de qualidade no cuidado, além de compreender o papel dos médicos nesse tipo de centro.

EMPODERAMENTO DO PACIENTE

O envolvimento mais profundo do paciente e dos familiares é uma das alterações fundamentais para atingir melhores resultados e conseguir qualidade superior na prestação de serviços de saúde. O Centro de Cuidados ao Paciente do Brigham and Women’s Hospital serviu de balão de ensaio e conseguimos atingir resultados positivos. Empoderar o paciente e seus familiares se traduziu em melhores resultados clínicos, maior eficiência nos serviços de saúde e, consequentemente, em efeitos positivos na área financeira da instituição.

AUMENTANDO O LUCRO

Atualmente, existem cada vez mais dados baseados em relatórios e estudos que mostram que assistência centrada no paciente tem impacto positivo na qualidade da assistência e segurança. A um nível macro, sabemos que a qualidade assistencial e a assistência centrada no paciente estão associadas a menos casos de negligência médica, menos processos legais, até melhorando a situação econômica da organização. Tudo isso significa melhores resultados financeiros.

É NECESSÁRIO CRIAR UMA CULTURA

Para melhorar a experiência do paciente, primeiro temos que entender que precisamos melhorar a comunicação entre o pessoal clínico e os pacientes. Temos que envolver os pacientes na assistência e os clínicos e os provedores devem ser prestativos e atentos às necessidades, preocupações e expectativas dos pacientes. Se queremos mesmo melhorar a experiência do paciente e incorporar os pacientes, temos que focar nestes fatores.

O nível seguinte é criar uma cultura. Criar uma cultura que suporte assistência centrada no paciente. Isso requer todo um processo e o Brasil tem que percorrer um caminho de paciência. É claro que vai necessitar de um processo, não é algo que mude de um dia para o outro. Leva tempo mudar o paradigma.

DA MODA À PRÁTICA

Os cuidados centrados no paciente são quase uma moda, todos falam nisso, mas a realidade é que a saúde ainda está focada no provedor e não no paciente. Então, o que é necessário alterar? Simples: temos que mudar o estado de espírito dos clínicos.

Segundo estudos realizados por mim e pela minha equipe, a maioria dos médicos e enfermeiros consideram muito importante ter cuidados centrados no paciente e melhorar a experiência do paciente, no entanto, o que também descobrimos foi que apenas 16% dos inquiridos incorporam esse modelo ou tentam melhorar a experiência do paciente. As duas razões que os estudos encontraram são a fraca sensibilização de enfermeiros e médicos e a falta de treinamento. Então, há que procurar formas de aumentar a sensibilização do pessoal clínico e também de o treinar para que saiba como incorporar e incluir os pacientes e melhorar a experiência do paciente.

MAIS PODER PARA O PACIENTE, MENOS PODER PARA O MÉDICO

O que ainda sucede com alguns médicos é o receio da perda de poder. Isso é uma realidade em certos países e certas culturas. Mas a tendência dos cuidados centrados no paciente está se espalhando por todo o globo. Quer os médicos gostem ou não, eles terão que aprender a lidar com essa tendência e aceitar que pacientes e clientes têm cada vez mais poder. Primeiro, porque existe cada vez mais informação disponível na internet ou em apps, e isso vai empoderando os pacientes. Portanto, os médicos têm que estar preparados para essa mudança.

CRIAR POLÍTICAS E NORMAS

Num nível mais elevado, mais voltado para as políticas, países que apoiam assistência centrada no paciente e engagamento do paciente, como Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, precisam criar políticas e diretrizes para melhorar experiência do paciente. É claro que alguns médicos estão preocupados com a forma como o paciente está sendo empoderado, mas quando entenderem que ao criarem uma parceria — e eu adoro esta palavra, mais até do que empoderamento -, ao criarem uma verdadeira parceria, estão reforçando a qualidade da assistência e a segurança do paciente. Então, o médico vai ter melhores resultados e vai tornar os processos mais eficientes. No final das contas, os médicos vão entender que tudo isto vai ser melhor para eles. mas temos que olhar para a realidade e reconhecer que esse ponto ainda não foi atingido. Alguns médicos ainda exibem alguma apreensão e nós temos trabalho a fazer para os treinar e lhes levar mais informação. Com mais informação e treinamento conseguiremos chegar lá.

DIFERENTES REALIDADES

A lógica brasileira ainda é bem diferente da norte-americana, onde existe uma obrigatoriedade de recolhimento e tratamento de dados de avaliação dos hospitais por parte dos pacientes, ou da britânica, em que o programa UK NHS Choices se encarrega de recolher as apreciações dos pacientes, mas existem condições para implementar o programa nos hospitais e instituições de saúde nacionais, públicos e privados.

Embora as ferramentas não existam no Brasil, o fenômeno tecnológico da internet, redes sociais e apps está mostrando a força dos consumidores, em geral, e dos pacientes, em particular. Hoje em dia, os consumidores usam sites, redes sociais e apps para descrever e classificar suas experiências com bens e serviços. Revoluções tiveram recentemente início na web, basta relembrar o fenômeno da Primavera Árabe, em 2010, e toda a mobilização feita através de redes sociais. É impensável achar que a saúde vai conseguir escapar desta avalanche digital de avaliação de satisfação e partilha de opiniões dos pacientes. O que o paciente pensa já tem um grande impacto no comportamento e nas decisões das organizações de saúde e terá uma influência ainda maior no futuro.

A IMPORTÂNCIA DOS ESTUDOS

Existem resultados contraditórios, de acordo com um estudo que tentou avaliar os efeitos da HIT na satisfação do cliente, por isso posso revelar que estamos realizando um grande estudo para avaliar e classificar apps para iPhone e Android e a generalidade dos smartphones. São mais de quatro mil apps que ajudam os pacientes na gestão da alimentação e nutrição, doenças crônicas, monitoramento do peso, calorias. O que tentamos avaliar é, primeiramente, é a qualidade destes apps. Depois, como existe tanta informação nas redes sociais, mais do que ver qual é positiva e qual é negativa, é ver qual devemos considerar para decidir quais apps devemos baixar. O que tentamos fazer é construir um conjunto de recomendações e orientações sobre uso de redes sociais e apps de forma a garantir que terão uma utilização positiva.

É NECESSÁRIO OUVIR TODOS

As tecnologias de informação e redes sociais são ferramentas fantásticas para o setor de healthcare e para levar o setor para outra dimensão ao envolver ativamente o paciente e empoderando o paciente, mas deveremos ser muito cuidadosos quanto aos apps que recomendamos. Os apps devem ser desenvolvidos tendo em conta o médicos, prestadores e pacientes. Todos devem ser ouvidos no processo de desenvolvimento, mas também no processo de controle de qualidade. É essa a grande falha que ainda hoje está existindo. Precisamos incentivar esse empoderamento do paciente, pois é para ele que os apps são desenvolvidos. Ouvir o paciente leva a que se possa melhorar os resultados, faz com que se possa obter os resultados pretendidos e que se possa identificar e corrigir o que de menos positivo possa estar sendo feito ou possa estar ocorrendo.

AS LIMITAÇÕES DOS APPS

Outra preocupação está ligada ao foco dos apps. A grande questão que existe com a indústria de tecnologia é a limitação dos apps. Falta garantir que eles sejam concebidos para um determinado tipo de paciente. Acontece que, embora os apps sejam criados e desenvolvidos para casos específicos como diabetes ou doenças crônicas, certas condições médicas são normais em pacientes mais idosos ou com menor rendimento. Então aí temos um problema. Sabemos que a internet, redes sociais e apps são usados principalmente por um público mais jovem, mais escolarizado ou com mais poder econômico, portanto é preciso criar formas de fazer chegar a todos os pacientes, de forma universal, as vantagens das tecnologias de informação da saúde. E segurança do paciente inclui segurança dos seus dados médicos, ou seja, garantia da privacidade dos mesmos. É necessário que as empresas de tecnologia garantam que os dados fornecidos pelos pacientes sejam protegidos e impeçam a partilha de dados clínicos sem autorização do paciente. Isso é algo muito particular dos apps mas requer os mesmos cuidados quando falamos da internet e do uso dos portais para consulta de informação pessoal

O INGREDIENTE SECRETO

O envolvimento e empoderamento do paciente é, claramente, uma área-chave para inovação no setor de saúde e na indústria de HIT associada durante a próxima década. Muitos consideram que o envolvimento do paciente é o “ingrediente secreto” para garantir o sucesso futuro e dois cenários se afiguram envolvendo o mercado e as políticas: ou os grandes fornecedores ficam perdidos no meio do furacão de ideias e necessidades e não conseguem dar resposta às pretensões, abrindo o caminho a novas ideias, novas e menores empresas com menores custos associados que criam o que o mercado procura; ou os grandes fornecedores evoluem rápida e responsavelmente, criando plataformas e ferramentas que funcionam e correspondem ao que se pretende delas, cimentando a posição desses grandes grupos que já dominam o mercado.

O QUE FALTA

Para atingir a tempestade perfeita, é imperativo juntar no seu centro todos os stakeholders. Instituições, companhias de tecnologia, médicos, enfermeiros, pacientes, todos têm um papel fundamental na construção desse modelo.

Publicado no Portal DiagnósticoWeb
Publicado na Revista Diagnóstico

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